Como explicita bem o título da obra, o livro empreende uma desconstrução crítica de conceitos que abrangem idéias eurocêntricas[1] arraigadas em nossa cultura, de tal maneira que, ao avançarmos no texto, nos percebemos também, como frutos desta cultura moderna do cinema (europeu e hollywoodiano) e da imagem midiática.
A etimologia serve ao texto como uma das ferramentas fomentadoras dessa crítica. Os autores analisam e questionam a origem de palavras e termos perpetuadores da hegemonia européia tais como: colonialismo, pós-colonialismo,descobrimento, terceiro mundo, dentre outras que, segundo os autores, servem para reforçar as contradições geradas por uma visão que, tende a colocar a Europa como centro irradiador de todos os eventos históricos determinantes do mundo ocidental e, inclusive do oriental.
Os autores propõem o desenvolvimento de uma metodologia com perspectivas sócio-históricas que, levem em conta um raciocínio histórico não-linear. Admitindo a existência de diferentes cronologias ou de tempos ontológicos, para estabelecer uma leitura da história social da humanidade que, leve em consideração, os pressupostos do multiculturalismo, como principal ponto para abordar conceitos complexos e garantir uma compreensão da diversidade cultural e dos sistemas inter-relacionais instituídos nas diferentes sociedades.
Paralelamente, apontam para uma perspectiva de leitura policêntrica em contraposição à eurocêntrica, cujo centro não confluirá de “cima para baixo” e sim de todos os pontos interligados culturalmente no plano geográfico global. Levando quase à inexistência de um centro e sim a aceitação de diversos centros promotores culturais.
Tal abordagem permite revisar a construção histórica moderna, levando em conta diversos pontos de vista, provenientes não apenas do amplo espaço geográfico mas, também, daqueles que foram excluídos historicamente do espectro social contemporâneo. Oprimidos pelo imperialismo desde o século XV com a expansão marítima européia e com a construção de uma nova fase de escrita historiográfica.
Assim, rever o processo de reconstrução do texto histórico moderno torna-se urgente, a fim de reconstruí-lo a partir de uma abordagem plural que agregue vozes de movimentos feministas, étnicos, de gênero, de classe e religião. Aspectos que, juntos, somam uma maioria em busca de representatividade, através do exercício da crítica a indústria midiática e cultural, que empreende a difusão massiva da visão eurocêntrica, racista e segregacionista em detrimento de uma composição heterogênea que preze pela democracia e pelos direitos humanos.
O livro não intenta discutir as origens de tais conceitos ou do multiculturalismo, mas sim, dar continuidade a esse raciocínio a partir de outras abordagens, tais como a análise da imagem cinematrográfica em produções que vão desde o advento do cinema até os dias atuais.
Ambos os autores, professores da Universidade de Nova York, críticos e pesquisadores da imagem cinematográfica, realizam uma análise crítica do cinema eurocentrista colocando-o como uma das principais armas imperialistas responsáveis pela imposição de conteúdos ideológicos favoráveis às classes dominantes. Capaz de influenciar e perpetuar a supremacia de uma classe em detrimento de outras. Sem, contudo, deixar de observar as tentativas de enfocar uma abordagem mais plural ou até mesmo identificando antagonismos que revelam fragilidades dentro dessas produções ou de produções voltadas para a temática étnica e racial. Salientando que todos os povos de uma maneira ou de outra constitui-se desta pluralidade sincrética que não pode ser negada como fator determinante e constituinte da sociedade. Tal negação revela o grau de alienação e racismo de um povo. Contudo, admiti-lo através da propagação de imagens estereotipadas como forma de propaganda ideológica pode, por outro lado, revelar a mesma falha.
Ao longo do texto, são citados filmes de diferentes épocas, desde o cinema mudo, onde os autores já identificam a gênese cinematográfica de ícones e símbolos da campanha imperialista e liberal, ilustrando um período pós-industrial amplamente explorado pela cinematografia européia.
Os autores analisam esses ícones e desnudam sua simbologia contrapondo-os a produções de outros países que, paralelamente, iniciaram suas próprias experiências. Países esses que tiveram suas produções sufocadas pelo poder de dominação e pelo marketing da indústria cultural, sobretudo dos Estados Unidos. Podemos mencionar, as produções citadas pelos autores, de países como a Índia, a América Latina, a China, o Irã, A Argélia dentre outros enumerados e citados com dados bibliográficos regionais e de estudos de descendentes localizados em países europeus e estadounidense.
O livro torna-se leitura obrigatória para todos mas sobretudo para pessoas interessadas em crítica, cinema e educação. Sobretudo pelas dicas que os autores dão a esses profissionais, como podemos ver nas passagens abaixo:
Um professor ou programador de mostra de cinema deve exibir um filme paternalista sobre a África, como Entre dois amores, mas contrastá-lo com um filme africano, como Emitai (1971) Camp de Thiaroye (1987).[2]
Desse modo, professores de história ou de estudo de cinema tornam-se ativistas culturais, orquestrando clivagens iluminadoras de perspectivas e estéticas, montagens intelectuais não de cenas, mas de filmes e discursos.[3]
[1] Os autores definem como eurocêntrica, não apenas as manifestações provenientes do continente europeu mas, também aquelas de países dominantes como os Estados Unidos que mantêm e exercem esta característica marcante.
[2] SHOHAT, Ella e STAM, Robert _ Crítica da imagem eurocêntrica._ Multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac Naify, 2006,
[3] Idem, p. 353.