Todas as propostas a seguir trazem como premissa o desenvolvimento de um olhar mais apurado, ou seja mais analítico e crítico sobre a imagem fotográfica.
Segundo KELLNER[1], a crítica contribui para identificarmos focos de resistência e dominação dentro da cultura midiática a fim de, reforçarmos a luta por uma sociedade mais democrática. Tal fato, porém, implica a necessidade de um estudo cultural minucioso que revelará mídias repletas de ambigüidades e antagonismos, inerentes a uma investigação sociológica da imagem. Revelando a coexistência de conteúdos ideológicos diversos com diferentes focos de contestação que representam visões multiculturais específicas da contemporaneidade.
KELLNER desenvolve uma metodologia de análise crítica da cultura de mídia levando em conta a diversidade cultural e sugerindo uma leitura sócio-histórica, que atente para os focos de luta, de correntes variadas como, por exemplo,as perspectivas feministas, marxistas, raciais e a sua complexa formação. Bem como o aprofundamento ou o intercâmbio entre conhecimentos do campo da psicologia, da semiótica, da história, dentre outras ciências, a fim de, aprofundar o olhar através da utilização de pontos de vista variados e abarcar uma pluralidade de fatores.
Embora saibamos que o valor estético de uma obra não possa ser julgado ou reduzido apenas ao seu conteúdo, também não podemos ignorar que o objeto de arte por instituir-se como produto sociológico, não estará isento de ideologias, posições políticas ou morais, em sua gênese. Tal fato, levado em conta, agregará valores no momento da análise.
O referencial de Rosângela Rennó não deve ser entendido como obrigatório. Foi utilizado nesta pesquisa por relacionar-se com questões fulcrais que permeiam a imagem fotográfica e a imagem midiática no atual contexto da arte brasileira e por ilustrar o que atestamos anteriormente, como valor agregado de contestação social inserido na obra de arte. Na medida em que a artista introduz em sua obra elementos excluídos ou oprimidos historicamente. Tal como o papel da representação feminina, do casamento, do negro e dos indivíduos marginalizados em nossa sociedade.
O professor de artes hoje, depara-se com realidades diferentes que, têm em comum o excesso de exposição às imagens midiáticas e, em contraposição, a carência de acesso às imagens produzidas no campo das artes plásticas bem como do acesso a análises críticas dessas mídias. O consumo de imagens em alta velocidade, como é o caso das mídias televisivas, cinematográficas ou na internet imprime no telespectador uma maneira pré-editada e programada de percepção[2] que, geralmente, propaga valores eurocêntricos[3] de caráter dominador, que levam a sociedade a um processo de alienação cultural e desconhecimento do potencial da imagem como veículo de informação. Tornando os indivíduos incapazes de se colocar de maneira investigativa e crítica diante de sua realidade e transformando-os em consumidores passivos.
Assim, propomos como ponto de partida, ao trabalhar fotografia com estudantes de nível médio, um debate sobre as imagens midiáticas, cinematográficas, fotojornalísticas e publicitárias. Tais imagens, por fazerem parte do cotidiano dos estudantes e por serem amplamente veiculadas pelos meios de comunicação de massa, podem servir como rico material de introdução ao tema de pesquisa para, posteriormente, abranger artistas que trazem uma crítica a esses meios, às imagens e à maneira como elas são veiculadas ou que utilizam a imagem fotográfica como forma de expressão. Aproveitando para avaliar as mídias em que são difundidas tais imagens e a maneira que essas mídias se utilizam para difundi-las. Tal avaliação comparativa ajudará o aluno a perceber a influência que os veículos transmissores de informação exercem em nossa maneira de perceber a imagem e como acaba por influir na nossa maneira de perceber e se relacionar com o mundo.
Uma metodologia viável pode partir da análise de imagens que se encontram no cotidiano do aluno para, estabelecer uma postura reflexiva com a imagem fotográfica. A fim de compreender e levantar questões acerca de seu alcance no imaginário coletivo (através da análise das reações e opiniões do público), suas influências na constituição da sociedade e sua funcionalidade. Pode-se, posteriormente, estabelecer um paralelo com as imagens no campo das artes plásticas, neste caso, com os trabalhos da artista Rosangela Rennó, que ressignificará o papel da mídia em sua trajetória artística, utilizando-a como matéria-prima para o desenvolvimento de sua linguagem.
Estabelecer essa relação trará à luz uma conexão entre arte, cotidiano e realidade do aluno que poderá, se desejar, incorporar idéias contidas nas obras da artista, por entender a sua crítica diante da sociedade ou numa outra abordagem, estabelecer relações entre o papel da arte em nossa sociedade, ou ainda, partir para um exercício de produção própria.
Como referência histórica no campo da leitura de imagem, recomendo o trabalho proposto por Ana Mae Barbosa[4]. Sua proposta visa desenvolver vivências que incluem a fruição ou observação das obras, uma interpretação e um fazer produtivo, estabelecendo relações com um desenvolvimento da capacidade de crítica da obra de arte, por parte do aluno. Propondo alguns procedimentos com base na descrição, produção e análise de imagens. De sua interpretação e julgamento, especulando seus significados com base em dados coletados anteriormente, discutindo questões estéticas que tratam diretamente de sua qualidade expressiva, sem emitir juízos de valor como conceitos de belo ou feio. Segundo Ana Mae: “Quando falo de conhecer arte falo de um conhecimento que nas artes visuais se organiza inter-relacionando fazer artístico, a apreciação da arte e a história da arte.”[5]
Estudamos ainda, a proposta metodológica com base em estudos semióticos realizados por Ana Amélia Bueno Buoro, em seu livro: Olhos que pintam[6] que, por sua vez faz referências a pesquisadores como Robert Ott, Edmund Feldman, Michael Parsons e A. J. Greimas dentre outros.
As propostas desses pensadores sobre o ensino de arte nas escolas convergem de certa maneira para pontos em comum, tal qual podemos verificar na proposta de Robert Ott que vem de encontro à proposta de BARBOSA e BUORO e a qual citaremos a seguir, a fim de complementar as sugestões postas anteriormente, de análise da imagem com fins didáticos.
Segundo Ott[7], tal análise pressupõe as seguintes ações: descrever, analisar, interpretar, fundamentar e revelar. Descrever implica em investigar tudo o que pode ser percebido sobre uma obra que se pretende estudar criticamente; Analisar é, segundo o autor, a investigação dos elementos da composição e formas da obra de arte; Interpretar se transforma no momento da expressão de reações, reflexões e emoções suscitadas pela obra; Fundamentar é a possibilidade de agregar conhecimento e informações à obra, que provenham da história da arte e do campo da crítica; Revelar consiste no desenvolvimento, pelo aluno, de uma produção artística inicial;
Com base em experiências práticas de oficinas realizadas com alunos do ensino fundamental e médio[8] e estudos de arte - educadores como Joly, Ana Mae e Buoro pensamos a análise de imagens a partir de alguns pressupostos, com ênfase nos exercícios de observação e problematização.
Para JOLY[9], a leitura de imagem sugere três questões e a definição dos objetivos de análise:
Um ponto fundamental para definir uma metodologia de análise está na definição dos objetivos que se deseja atingir ao analisar uma determinada imagem. A definição dos objetivos possibilitará planejar e encontrar os meios mais adequados para definir a pesquisa e investigar a temática escolhida.
A primeira refere-se à imagem como “linguagem universal” por se tratar, muitas vezes, de algo reconhecível, o que sugere uma leitura natural, não exigindo do leitor nenhum aprendizado. Segundo JOLY, esse pensamento pode contribuir tanto para a banalização do ato perceptivo como para a introdução de aspectos elementares na leitura de uma imagem, que não pode se reduzir a identificar objetos retratados.
Contudo, procuraremos refutar que, nenhuma leitura pode ser natural, uma vez que é efetuada de acordo com um repertório cognitivo adquirido a partir de experiências anteriores. Daí a banalização à qual Joly se refere. A nosso ver, ele coloca como leitura “natural” aquela que aprendemos intuitivamente mesmo antes do domínio do texto escrito, leitura essa realizada, na maior parte das vezes, sem um conteúdo crítico pormenorizado. Em suma o autor propõe um estranhamento ao comum, ou seja, uma desnaturalização e um enriquecimento perceptivo do ato de ver. Tal exercício nos permite rever uma imagem a partir de uma nova ótica e compreender que interpretar é ampliar a capacidade de compreensão de uma imagem ao infinito. Com um desejo de descobri-la para além da banalidade ou do comum a que pode ter sido legada. Propiciar ao espectador desta obra, uma nova elaboração de idéias na percepção de detalhes que antes não foram observados. Uma ressignificação de símbolos, mesmo que estes já tenham sido amplamente difundidos. Provando que é possível reverter esta percepção ao infinito, toda vez que o espectador relaciona-se com a obra de maneira criativa.
A segunda terá um caráter problematizante e perscrutador, relaciona-se ao que o autor atentou, como sendo uma leitura em busca da intencionalidade de seu produtor. Interpretar uma mensagem e analisá-la, não consiste apenas em tentar encontrar ao máximo uma mensagem pré-existente mas, compreender e questionar o que essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca em termos de significação aqui e agora, enquanto se tenta separar o que é pessoal do que é coletivo e, neste ponto, vamos de encontro às considerações feitas por outros autores que citamos no segundo capítulo do presente trabalho.
A terceira questão vincula-se ao caráter artístico que uma imagem possa apresentar. Esse aspecto poderia ser um impeditivo da leitura, pois a arte não seria da ordem do intelecto apenas, segundo ele, mas do afetivo e do emotivo. Segundo Joly, temos o hábito de considerar o campo da arte oposto ao da ciência, de pensar que a experiência estética pertence a um pensamento particular, irredutível ao pensamento verbal. Com tais afirmativas, o autor supõe que as imagens no campo da arte podem e devem (se houver interesse ou necessidade) ser analisadas sistematicamente, inclusive, através de meios técnicos.
Já Ana Amélia Bueno Buoro[10], fala do reconhecimento de uma linguagem visual que, para ser lida, precisaria ser entendida em sua sintaxe, comparando a introdução à leitura de imagem, a uma espécie de “alfabetização” através dos elementos plásticos contidos na obra. Daí a necessidade do educador também se formar como um leitor de imagens visuais.
Neste ponto conviria dizer que, a abordagem semiótica feita por BUORO, vai de encontro ao que, para KOSSOY, implicaria numa análise iconográfica[11], detendo ambos, pontos em comum, apesar da utilização de metodologias diferenciadas, bem como conceituações referentes à sua área de pesquisa específica.
Contudo, ao pensar em “alfabetização”, nos sobrevém a idéia de uma metodologia de ensino-aprendizagem que leve a tal resultado e, sobre isto, cabe uma reflexão importante: Pensar a alfabetização de imagens, não é pensar de maneira restrita, onde a existência de uma determinada metodologia funcionaria tal qual um receituário pronto para ser aplicado em uma sala de aula. Este é um processo complexo do qual, tratam muitos outros arte-educadores e que cabe a cada educador-pesquisador, encontrar a partir de sua realidade, os fundamentos elaborados por diversos teóricos da educação, refletir sobre suas idéias e propostas e trocar experiências experiências a fim de pensar e refletir sobre a sua realidade.
Assim como KOSSOY, BUORO ressalta a importância do conhecimento historiográfico para o ensino da arte e aprofundamento na compreensão da imagem.
No caso da obra de Rennó, seria necessário, segundo Buoro, buscar referências históricas em textos escritos por historiadores, críticos de arte e inclusive pela própria artista (em forma de depoimentos, entrevistas ou textos), para entendermos melhor a sua obra, sua trajetória profissional, processos de criação, conflitos e a maneira como concebe seu trabalho em relação com o mundo. Tal processo metodológico, contextualizaria a obra e ampliaria nosso conhecimento acerca de sua linguagem, intencionalidade, produção e relevância histórica para a arte contemporânea.
A autora atenta, ainda, para o fato de que, a análise histórica se constitui também na linguagem do historiador, que por sua vez dispõe a sua leitura pessoal e discurso persuasivo.[12] Assim, tal fato, exigirá do pesquisador uma leitura crítica destas fontes.
Uma sugestão dada pela autora implica na leitura da própria imagem, ou seja, para melhor compreender uma obra, seria importante nos pautarmos na própria obra como elemento crucial de nossa análise. Pois, a obra em si, já abarca grande parte dos elementos necessários para estabelecer um diálogo introdutório a fim de a compreendermos melhor. Passando, posteriormente, ao texto ou conteúdo histórico e sociológico, não sendo estas, necessariamente uma ordem metódica.
Um ponto de partida para a leitura da obra, segundo Ana Claudia de Oliveira (também citada na tese de Buoro) propõe um itinerário de leitura perceptiva dos elementos constituintes da obra em relação uns com os outros.
Estabelecer relações entre os elementos da imagem, segundo Buoro, seria perceber em seu significado, na medida em que a leitura se aprofunda e se constrói com base na análise de dimensões visíveis ou invisíveis na obra, a maneira como os elementos se modificam e dialogam para compor o conjunto da mesma. Como aspectos visíveis, a autora cita alguns desses conteúdos imprescindíveis para a leitura, aos quais ela denomina em sua obra como dimensões eidéticas, cromáticas e topológicas[13]. Apesar de serem abordados para a análise de pinturas, procuramos ao ler sua tese, captar elementos que pudessem ser aplicados à leitura da imagem fotográfica o fizemos também, quando descrevemos as obras colocadas neste trabalho para análise[14].
As dimensões eidéticas (relativas à forma, às linhas, aos planos), as cromáticas (relativas às cores) e as topológicas (que relacionam e os elementos eidéticos e cromáticos no espaço da obra, trabalha composição como um todo, tratando não apenas das questões relativas a volumes[15] e espaços mas, também, todas as referências presentes nas outras dimensões[16]. Disposição da obra no espaço, iluminação, suportes, materialidade, dimensões.
Enfim, como dito anteriormente, o desenvolvimento de qualquer proposta em sala de aula, dependerá dos critérios adotados pelo professor e do planejamento traçado por ele junto à turma, de acordo com os objetivos que se deseja atingir. Para isso, acreditamos que o educador não precisa restringir-se a abordagens que dizem respeito apenas ao campo da arte, mas deve também, permear o campo da cultura midiática e analisar imagens fotográficas que compõem o universo publicitário, fotojornalístico e o ciberespaço ajudando os alunos a perceber a maneira como essas imagens estão atuando profundamente na formação de nossa sociedade.
Importante levar em conta que os jovens, hoje, são também produtores, consumidores e difusores de imagens fotográficas, sobretudo, pela internet ou pela televisão. Daí a relevância de pesquisar, de maneira crítica, essa vasta produção (amadora ou não) e refletir sobre seus aspectos junto à atualidade e de que maneira os conhecimentos do campo da arte podem ajudar no questionamento e transformação deste tipo de produção, cujas conseqüências, intimamente ligadas ao culto imagético, sobretudo da auto-promoção narcisística, do culto da imagem de caráter eurocêntrico e do consumo, ainda não terem sido amplamente delineadas por estudos sociológicos.
[1]KELLNER, Douglas. A cultura das mídias. Estudos culturais: identidadee política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001, p. 132.
[2] Cf. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Midias. São Paulo: Contexto, 2006, p. 18.
[3] Entende-se por abordagem eurocêntrica, não apenas as manifestações culturais e visões de mundo provenientes do continente europeu mas, também, aquelas de países como os Estados Unidos que mantêm e exercem um domínio sobre os demais países. Ver: SHOHAT, Ella e STAM, Robert _ Crítica da imagemeurocêntrica._ Multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
[4] Cf. BARBOSA, Ana Mae. A importância da imagem no ensino da arte: Diferentes metodologias. (Apud. A imagem no ensino da arte: Anos 80 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 36-37.
[5] BARBOSA, 1991, apud FOERST, Gerda M. S. Leitura de imagens: Um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004, p. 99
[6] Cf. BUORO, Ana Amélia Bueno. Olhos que pintam: A leitura da imagem no ensino da arte. 2ª ed. São Paulo: Educ/Cortez, 2003, p. 31.
[7] Robert Ott, p.128; Apud. FOERST, Gerda M. S. Leitura de imagens: Um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004.
[8] Foram realizados estágios com estudantes de escolas públicas e particulares nos anos letivos de 2006 e 2007, na cidade de Vitória.
[9] Apud. FOERST, Gerda M. S. Leitura de imagens: Um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004, p. 41-46.
[10] Cf. BUORO, Ana Amélia Bueno. Olhos que pintam: A leitura da imagem no ensino da arte. 2ª ed. São Paulo: Educ/Cortez, 2003, p. 31.
[11] A análise Iconográfica tem o intuito de detalhar sistematicamente e inventariar o conteúdo da imagem em seus elementos icônicos formativos; o aspecto literal e formativo prevalece, o assunto registrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo, além de corretamente identificado. KOSSOY, Op. Cit. p. 95.
[12] Cf. BUORO, 2003,p. 78 e 66
[13] Cf. BUORO, 2003,p. 134.
[14] Ver p. 14 a 17 desta monografia.
[15] Quando aqui falo de volume, refiro-me à ilusão de volume causada entre as relações de luz e sombra encontradas na fotografia.
[16] Ibid., p. 135