quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O lobinho nunca mente

O que faríamos se nos restasse apenas um instante após o outro? O que poderia nos intrigar mais que a morte, o tempo, a dúvida? A dor do outro posta à prova como nossa dor? A figura do lobinho, nesta narrativa, torna-se emblemática, na medida em que personifica aqueles valores que se deseja por à prova e só conhecendo um lobinho se pode ter idéia da dimensão da obra.
Mas, ainda que não tenhamos conhecido nenhum escoteiro, o curta de Ian SBF consegue instigar em nós sentimentos de repulsa e compaixão. Somos colocamos numa profunda identificação com o personagem, a começar pela proximidade e instabilidade da câmera e, simultaneamente, por suas reflexões que revelam a fragilidade da vida entre o tempo e a morte. Exprime não apenas do personagem, mas de nós mesmos a idéia do que representa “ser humano”. Revelando mazelas, fragilidades e desesperanças.
A luz incômoda, opaca e sem contrastes, ressalta o isolamento e o abandono em que o personagem é lançado, na obscuridade dramática do insosso. O sentido, aparentemente negativo, que se revela com o desenrolar dos fatos e final cortante, deixa simbolicamente implícita a imanência da morte, contida em cada instante, conferindo à trama um sentido tragicômico inerente também à vida e a arte. Negar isto à ficção seria negar sua capacidade de renascer a cada ato criador, seria negar esta possibilidade ao próprio espectador.
Aqui, o humano assume dimensões limítrofes entre o apodrecimento implícito a todo ser vivente e o valor inerente a tudo que se move, respira e surpreende por seu ímpeto de ser. Perversa não é a imagem projetada sobre a tela, desvelando a ficção perturbadora de caráter ambíguo, e sim a castração do ato criador que, neste caso, ao apagar das luzes, revela quanta força pode haver em um pensamento, em uma manifestação enquanto houver vida, ainda que esmagada, exangue, contida e inerte.
Kelly Tavares

quasarte: Crisálidas

http://vitoriacinevideo14.blogspot.com/2007/11/crtica-crislidas.html

Crisálidas

A animação de Fernando Mendes cria uma atmosfera de elucubração insólita, preenchida por recursos gráficos e planos de ação que se sucedem de maneira quase onírica. Produzem uma estética da ordem do misterioso, do mágico, do encantamento. Um encantamento obscuro que traduz o medo, a dramaticidade da trama, das relações castradoras entre o imaginário infantil e a realidade opressora.
Tal atmosfera é descrita através de gestos e fotografias em tons contrastantes de cinza e deixa como impressão a permanência da penumbra em contraste com ambientações luminosas que elucidam os momentos de sonho e esperança da personagem principal, em contraposição ao clima neo-barroco provocado para expressar e ampliar o caráter dramático das cenas de conflitos entre a menina e o mundo restrito em que é levada a habitar.
A crisálida de Fernando Mendes parece não ganhar asas e condenar-se por uma narrativa que, ao final, não mais pode sustentar-se nos ritmos e recursos visuais em pregados, na medida em que, o sentido da trama, perde-se em meio à ornamentação gráfica e dinâmica das imagens estáticas em seqüência.
Kelly Tavares(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)

Postado por 14° Vitória Cine Vídeo às 09:43
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Pipo Pipa

Como falar do deleite? Transpor em palavras um momento de prazer? A animação Pipo Pipa nos impõe um desafio diante das palavras e nos aquieta no silêncio das ações pausadas e tranqüilas, empregadas pelo ritmo e enredo deste personagem em busca do prazer em um momento de lazer com sua pipa de brinquedo.
A trajetória de Pipo descreve um fluxo de acontecimentos que tocam o imaginário e parece apelar para a criança existente em cada espectador, angariando simpatia, risos e exclamações da platéia.
Através de recursos visuais elementares de constituição bastante simples, cores que se complementam em harmoniosos tons frios e pastéis, o espectador é levado a uma atmosfera descompromissada e atenta para, em seguida, surpreendê-lo com o inverossímil e daí a sensação de deleite, o encantamento indescritível da trama, que conduzem o espectador até o final.
Kelly Tavares(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)

Postado por 14° Vitória Cine Vídeo às 09:44
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Santiago


O longa-metragem “Santiago”, de João Moreira Salles, que passou no dia 14 às 21h30, no Teatro Glória, recebeu o prêmio de Melhor Documentário no 29º Festival de Cinema do Real, em Paris, e reúne entrevistas que o diretor fez com o ex-mordomo de sua família, em 1992, na intenção de realizar um filme documentário. Posteriormente, o diretor retoma o material e resolve fazer um filme sobre o filme que realizaria, propondo assim uma metalinguagem, que leva o público a refletir sobre a natureza do cinema.

Na medida em que o diretor encanta pelo uso dos recursos cinematográficos ele também proporciona ao espectador o vislumbre do desencanto, quando expõe de maneira exaustiva as divagações e memórias de seu personagem, seus anseios e obsessões, na maneira como as cenas são montadas, que cenários e ações são compostos, deixando perceptível o controle de algo aparentemente dotado da mais pura espontaneidade.

O encanto do filme encontra-se na linguagem cinematográfica em si. Os sons, a música, a interferência dos produtores, a escolha do preto e branco, que confere uma dramaticidade e um certo classicismo à narrativa. Mas, sobretudo, à fotografia de Walter Carvalho com inspiração nos planos utilizados pelo cineasta japonês, Yasugiro Ozu (1953) ao qual o diretor faz referência nos créditos ao final do filme. A maneira como se explora a intertextualidade, a fronteira entre as diversas linguagens da arte, a plasticidade das cenas, com iluminações minuciosamente planejadas, no intuito de conferir maior expressividade ao personagem e às locações, ao gestual, a inclusão de textos e a maneira como esses textos ocupam o espaço da tela, são detalhes marcantes da composição documental e que por si sustentam a obra e traduzem a sua poética.

Tais elementos transformam a narrativa num feedback sentimental sobre um lugar do passado, a casa do diretor, na Gávea, no Rio de Janeiro e um personagem memorável. Com relação à antiga casa do diretor na Gávea, vale a pena lembrar as cenas iniciais, onde dentro de um ambiente de estúdio são expostos em seqüência, porta-retratos com fotografias em preto e branco, de espaços internos dessa mesma casa, que pelo conteúdo simbólico, de porta-retratos que detém retratos de espaços vazios, já valem todo o filme.