quarta-feira, 21 de novembro de 2007
O lobinho nunca mente
Crisálidas
Pipo Pipa
Santiago
O longa-metragem “Santiago”, de João Moreira Salles, que passou no dia 14 às 21h30, no Teatro Glória, recebeu o prêmio de Melhor Documentário no 29º Festival de Cinema do Real, em Paris, e reúne entrevistas que o diretor fez com o ex-mordomo de sua família, em 1992, na intenção de realizar um filme documentário. Posteriormente, o diretor retoma o material e resolve fazer um filme sobre o filme que realizaria, propondo assim uma metalinguagem, que leva o público a refletir sobre a natureza do cinema.
Na medida em que o diretor encanta pelo uso dos recursos cinematográficos ele também proporciona ao espectador o vislumbre do desencanto, quando expõe de maneira exaustiva as divagações e memórias de seu personagem, seus anseios e obsessões, na maneira como as cenas são montadas, que cenários e ações são compostos, deixando perceptível o controle de algo aparentemente dotado da mais pura espontaneidade.
O encanto do filme encontra-se na linguagem cinematográfica em si. Os sons, a música, a interferência dos produtores, a escolha do preto e branco, que confere uma dramaticidade e um certo classicismo à narrativa. Mas, sobretudo, à fotografia de Walter Carvalho com inspiração nos planos utilizados pelo cineasta japonês, Yasugiro Ozu (1953) ao qual o diretor faz referência nos créditos ao final do filme. A maneira como se explora a intertextualidade, a fronteira entre as diversas linguagens da arte, a plasticidade das cenas, com iluminações minuciosamente planejadas, no intuito de conferir maior expressividade ao personagem e às locações, ao gestual, a inclusão de textos e a maneira como esses textos ocupam o espaço da tela, são detalhes marcantes da composição documental e que por si sustentam a obra e traduzem a sua poética.
Tais elementos transformam a narrativa num feedback sentimental sobre um lugar do passado, a casa do diretor, na Gávea, no Rio de Janeiro e um personagem memorável. Com relação à antiga casa do diretor na Gávea, vale a pena lembrar as cenas iniciais, onde dentro de um ambiente de estúdio são expostos em seqüência, porta-retratos com fotografias em preto e branco, de espaços internos dessa mesma casa, que pelo conteúdo simbólico, de porta-retratos que detém retratos de espaços vazios, já valem todo o filme.
quinta-feira, 6 de setembro de 2007
Da percepção da imagem fotográfica
Ao analisar uma imagem, percebe-se a complexidade de elementos que se encontram inseridos na mesma, de maneira objetiva ou subjetiva, implícita ou explícita, e procura-se recorrer às palavras para descrever o que é percebido. Observa-se entretanto que, as palavras por si só, não dão conta do objeto fotográfico como um todo, daí, a necessidade do uso da imagem para ilustrar o objeto de análise.
O processo inverso também decorre, tornando complexa a criação ou produção de uma determinada imagem a partir de um conjunto de palavras que procuram descrever um dado objeto.
Contudo, estes elementos coexistem e relacionam-se criando outras estruturas semânticas. Ao perceber a existência desta complexa relação entre os elementos de uma imagem fotográfica, começamos a nos indagar acerca da existência de imagens ideais, que representem determinadas situações. Indaga-se sobre o ato criador dessas imagens e o que se poderia fazer para produzir imagens que detenham um ou outro valor estético adotado ou desenvolvido e que, ao mesmo tempo, despertem o interesse do espectador. Reflete-se sobre a necessidade de se despertar o interesse do espectador, de produzir e consumir imagens, da intencionalidade envolvida em sua produção e difusão e onde tudo isso começa. Esta pesquisa surgiu dessas expectativas em busca de solucionar questões que surgem, quando nos deparamos com determinadas imagens fotográficas ou quando nos vemos imersos em um mundo dominado e fortemente influenciado pelas imagens.
No presente trabalho, propomos a leitura da imagem fotográfica a partir do desenvolvimento de um olhar analítico e crítico acerca dos elementos visuais percebidos. Analítico no sentido de identificar os critérios estabelecidos para a produção da imagem, tal como composição, luz e sombra, cores, formato, assunto, contexto em que a imagem está sendo veiculada, sua materialidade, conceitos e etc. E crítico, na medida em que, questionamos a relevância do assunto como critério de comunicação visual, ou de linguagem. As dimensões e localização na mídia em que é veiculada, no espaço editorial ou de galeria, a leitura simbólica dos elementos constituintes da imagem, sua funcionalidade dentre muitos outros aspectos. Importante lançar mão de uma leitura criativa, a fim de, incorporar elementos do imaginário[1], interpretando e associando a imagem representada com a imaginária, a fim de ampliar as possibilidades de leitura da imagem em foco.
Possibilitar uma leitura que parta de interesses pessoais e crie uma relação de curiosidade ou afetividade com determinadas imagens a fim de, efetuar uma leitura seletiva e qualitativa para um conhecimento mais amplo do mundo e de si mesmo. Estabelecendo uma relação com as imagens que nos intercedem diariamente e com aquelas que dizem respeito ao campo das artes plásticas, destituindo nosso olhar da superficialidade com que costumamos nos remeter às imagens em nosso cotidiano, rompendo com um olhar apressado e ingênuo para a construção de um olhar mais circunspecto.
Levou-se em conta ainda, a diversidade de padrões estéticos e o discernimento de valores, no campo das artes visuais e da cultura midiática como um todo. Analisaremos, criticamente, não só a materialidade de uma imagem e os princípios estéticos que a compõem mas, também, os princípios filosóficos, semiológicos, iconográficos e iconológicos[2] na busca pela essência da linguagem e intencionalidade do artista, mídia ou fotógrafo e de sua produção poética ou técnica, no caso de se tratar de uma imagem que não tenha a linguagem artística como um fim único.
A percepção da imagem fotográfica está intimamente ligada à veiculação das imagens desde sua gênese num contexto moderno da cultura midiática, até os dias atuais. Tal fato que se reflete inclusive, na produção dos artistas contemporâneos que lidam com essa modalidade. Contudo, na presente pesquisa não faremos análises de produções publicitárias ou fotojornalísticas, mas, apontaremos alguns de seus reflexos nas artes plásticas, quando levamos em conta as influências que a cultura das mídias exerce no contexto social e que procuraremos explicitar numa análise crítica da obra de Rosângela Rennó.
Nesta proposta discorremos sobre algumas fontes teóricas que analisam e refletem a questão da fotografia no campo das artes visuais e que tratam das relações de mistificação e desmistificação da imagem na arte contemporânea, utilizando a título de análise, a leitura de duas séries de trabalhos produzidos por Rosângela Rennó, contextualizando-as no espaço e tempo. Não temos o intuito de traçar um cronograma pormenorizado, do trabalho da artista, entendendo que, para isso, existem outras fontes que o fizeram. Incluímos, no decorrer do texto e em especial, no capítulo que trata da questão da identidade na fotografia contemporânea, junto à análise do trabalho de Rennó, questionamentos acerca da construção e desconstrução dessas identidades[3], como pretexto para aprofundamento de questões que foram colocadas em pauta para reflexão.
Acerca da percepção no campo das artes plásticas, KOSSOY afirma que este é um ponto ainda pouco explorado pela crítica e pela história e faz menção a uma suposta falta de finalidade utilitária na fotografia como expressão artística[4] fato que contestaremos no próximo tópico.
O trabalho foi estruturado em quatro capítulos. No segundo capítulo propõe-se algumas possibilidades de leitura da imagem fotográfica como objeto de percepção do mundo que nos cerca. Abrangendo também o campo da apreciação da arte, reconhecimento de obras, identificação de ambiguidades e da fotografia como objeto ou linguagem artística. No terceiro, faz-se um recorte a partir de registros fotográficos de dois trabalhos, de Rosângela Rennó. Um deles denominado “Puzzle”, uma instalação que remete a um jogo de quebra-cabeças com fotografias de pessoas anônimas e do qual trataremos detalhadamente, juntamente com um segundo trabalho da mesma artista denominado: “O grande jogo da memória”, que remete a um jogo infantil com imagens em duplicata.
Na impossibilidade de acesso a tais obras, as análises pautam-se no material fotográfico reproduzido nos livros listados na bibliografia ao final do trabalho.
A fim de auxiliar na pesquisa de arte-educadores interessados por um aprofundamento no tema que introduzimos neste trabalho, propõe-se no capítulo quatro, um estudo com base em teóricos da educação, que tratam da leitura semiótica, tais como Ana Amélia Buoro e Ana Mae Barbosa e de teóricos e críticos que tratam da leitura fotográfica por uma ótica filosófica e sociológica. Abarcando conteúdos estéticos inerentes não só ao material fotográfico, mas à obra de arte como um todo.
Para ampliar o suporte metodológico de leitura das imagens analisadas, dentro do contexto historiográfico das obras, recorremos, ainda, as reflexões de KOSSOY[5], por este trazer um olhar mais sistematizado, característico de uma metodologia para a leitura da fotografia como documento histórico.
O objetivo desta pesquisa é contribuir, de maneira introdutória, para uma análise das imagens fotográficas e do papel que elas ocupam, hoje, em nosso cotidiano, bem como, da importância de voltarmos à elas um olhar mais crítico, no intuito de ampliar nossa percepção e atuação consciente para a promoção de transformações significativas em nossa sociedade e modos de vida, ou seja, passarmos da condição de consumidores passivos a cidadãos ativos.
[1] Entendemos como elementos imaginários aqueles que se encontram em nossa mente como um conjunto de experiências imagéticas acumuladas, experiências de coisas que vimos e vivemos em nossa história de vida e dos valores agregados de nossa cultura.
[2] KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p.95
[3] CHIARELLI, Tadeu. Identidade Não Identidade: Fotografia Contemporânea Brasileira. Junho de 1997, site: http://www.fotoplus.com/fpb/fpb002/b002c.htm.
[4] Cf. Idem, p. 137.
[5] KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Pedintes ao bar
Acreditamos que parte de nossa felicidade encontra-se nas mesas de bares nos finais de semana com os amigos. Afinal de contas, “damos um duro danado” durante a semana inteira e precisamos de um alívio para nossas frustrações através do consumo de bebidas bem geladas, baladas badaladas e tudo o mais que se puder consumir.
Geralmente nos aborrecemos com pedintes nas mesas dos bares, dos mesmos bares que nos encontramos para relaxar e esquecer dos “problemas” mas, principalmente dos “nossos” problemas.
As reações são as mais diversas, alguns fingem que não vêem, outros dão esmola, outros não dão por “princípio”, outros vêem os pedintes com olhos “piedosos”, alguns estabelecem diálogos bem curiosos e outros ainda se aborrecem. Há aqueles que observam o fato e refletem sobre ele, uma minoria. Outros procuram trazer tal reflexão para um diálogo de botequim e sobram concepções sociológicas, geralmente conformistas, sobre o tema.
Contudo, os mesmos pedintes que nos “aborrecem”, continuam ecoando as vozes de uma maioria que, infelizmente representa a realidade de nosso país e para a qual não podemos virar as costas, até mesmo pela impossibilidade de virarmos as costas para nós mesmos.
Assim, caro cidadão, precisamos sim, encontrar possibilidades para resolver tais problemas no cotidiano e não apenas com moedas de R$0,10. Ainda que, para isso soneguemos os impostos (desviados de seus verdadeiros fins) e o entreguemos diretamente na mão daqueles que deveriam recebê-lo através de empregos dignos para poderem estar ao nosso lado na mesa de um bar, dividindo a conta.
Faça seu comentário. Dê sua contribuição e idéia para ajudar a mudar.
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Critica da Imagem Eurocentrica
A etimologia serve ao texto como uma das ferramentas fomentadoras dessa crítica. Os autores analisam e questionam a origem de palavras e termos perpetuadores da hegemonia européia tais como: colonialismo, pós-colonialismo,descobrimento, terceiro mundo, dentre outras que, segundo os autores, servem para reforçar as contradições geradas por uma visão que, tende a colocar a Europa como centro irradiador de todos os eventos históricos determinantes do mundo ocidental e, inclusive do oriental.
Os autores propõem o desenvolvimento de uma metodologia com perspectivas sócio-históricas que, levem em conta um raciocínio histórico não-linear. Admitindo a existência de diferentes cronologias ou de tempos ontológicos, para estabelecer uma leitura da história social da humanidade que, leve em consideração, os pressupostos do multiculturalismo, como principal ponto para abordar conceitos complexos e garantir uma compreensão da diversidade cultural e dos sistemas inter-relacionais instituídos nas diferentes sociedades.
Paralelamente, apontam para uma perspectiva de leitura policêntrica em contraposição à eurocêntrica, cujo centro não confluirá de “cima para baixo” e sim de todos os pontos interligados culturalmente no plano geográfico global. Levando quase à inexistência de um centro e sim a aceitação de diversos centros promotores culturais.
Tal abordagem permite revisar a construção histórica moderna, levando em conta diversos pontos de vista, provenientes não apenas do amplo espaço geográfico mas, também, daqueles que foram excluídos historicamente do espectro social contemporâneo. Oprimidos pelo imperialismo desde o século XV com a expansão marítima européia e com a construção de uma nova fase de escrita historiográfica.
Assim, rever o processo de reconstrução do texto histórico moderno torna-se urgente, a fim de reconstruí-lo a partir de uma abordagem plural que agregue vozes de movimentos feministas, étnicos, de gênero, de classe e religião. Aspectos que, juntos, somam uma maioria em busca de representatividade, através do exercício da crítica a indústria midiática e cultural, que empreende a difusão massiva da visão eurocêntrica, racista e segregacionista em detrimento de uma composição heterogênea que preze pela democracia e pelos direitos humanos.
O livro não intenta discutir as origens de tais conceitos ou do multiculturalismo, mas sim, dar continuidade a esse raciocínio a partir de outras abordagens, tais como a análise da imagem cinematrográfica em produções que vão desde o advento do cinema até os dias atuais.
Ambos os autores, professores da Universidade de Nova York, críticos e pesquisadores da imagem cinematográfica, realizam uma análise crítica do cinema eurocentrista colocando-o como uma das principais armas imperialistas responsáveis pela imposição de conteúdos ideológicos favoráveis às classes dominantes. Capaz de influenciar e perpetuar a supremacia de uma classe em detrimento de outras. Sem, contudo, deixar de observar as tentativas de enfocar uma abordagem mais plural ou até mesmo identificando antagonismos que revelam fragilidades dentro dessas produções ou de produções voltadas para a temática étnica e racial. Salientando que todos os povos de uma maneira ou de outra constitui-se desta pluralidade sincrética que não pode ser negada como fator determinante e constituinte da sociedade. Tal negação revela o grau de alienação e racismo de um povo. Contudo, admiti-lo através da propagação de imagens estereotipadas como forma de propaganda ideológica pode, por outro lado, revelar a mesma falha.
Ao longo do texto, são citados filmes de diferentes épocas, desde o cinema mudo, onde os autores já identificam a gênese cinematográfica de ícones e símbolos da campanha imperialista e liberal, ilustrando um período pós-industrial amplamente explorado pela cinematografia européia.
Os autores analisam esses ícones e desnudam sua simbologia contrapondo-os a produções de outros países que, paralelamente, iniciaram suas próprias experiências. Países esses que tiveram suas produções sufocadas pelo poder de dominação e pelo marketing da indústria cultural, sobretudo dos Estados Unidos. Podemos mencionar, as produções citadas pelos autores, de países como a Índia, a América Latina, a China, o Irã, A Argélia dentre outros enumerados e citados com dados bibliográficos regionais e de estudos de descendentes localizados em países europeus e estadounidense.
O livro torna-se leitura obrigatória para todos mas sobretudo para pessoas interessadas em crítica, cinema e educação. Sobretudo pelas dicas que os autores dão a esses profissionais, como podemos ver nas passagens abaixo:
Um professor ou programador de mostra de cinema deve exibir um filme paternalista sobre a África, como Entre dois amores, mas contrastá-lo com um filme africano, como Emitai (1971) Camp de Thiaroye (1987).[2]
Desse modo, professores de história ou de estudo de cinema tornam-se ativistas culturais, orquestrando clivagens iluminadoras de perspectivas e estéticas, montagens intelectuais não de cenas, mas de filmes e discursos.[3]
[1] Os autores definem como eurocêntrica, não apenas as manifestações provenientes do continente europeu mas, também aquelas de países dominantes como os Estados Unidos que mantêm e exercem esta característica marcante.
[2] SHOHAT, Ella e STAM, Robert _ Crítica da imagem eurocêntrica._ Multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac Naify, 2006,
[3] Idem, p. 353.
Links Observatórios de mídia
http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content_static.php?option=com_content&task=view&id=12
http://renoi.blogspot.com/
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/objetivos.asp
http://www.canaldeimprensa.com.br/
http://www.observatorio.ig.com.br/
http://www.obercom.pt/
http://www.comuniquese.com.br/
http://www.tvebrasil.com.br/observatório
http://www.observatoriodemidia.org.br/
http://www.unb.br/fac/sos/
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http://www.mediawatch.com/
http://www.aim.org/
http://www.fair.org/
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http://www.eticanatv.org.br/ http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/sobre_dines/memoria.htm http://www.igutenberg.org/jjornais24.html http://www.ombudsmaneoleitor.jor.br/pressoes.htm http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/mo051098.htm
http:// www.metodista.br/unesco/midi@fórum – em 5 set. 2005.
http://www.observatoire-medias.info – em 5 set. 2005.
http://www.portoweb.com.br/PierreLevy/aemergen http://www.saladeprensa.org
http://www.inep.gov.br
http://usinfo.state.gov/journals/itgic/0401/ijgp/ig0402.htm.
http://www.intexto.ufrgs.br/n11/a-n11a5.html
Bibliografia indicada
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BARBOSA, Ana Mãe. A Imagem no Ensino da Arte: Anos 80 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991.
BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Trad. de Julio Castañol Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
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BUORO, Ana Amélia Bueno. Olhos que pintam: A leitura da imagem no ensino da arte. 2ª ed. São Paulo: Educ/Cortez, 2003.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Midias. São Paulo: Contexto, 2006.
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FLUSSER, Vilém. A filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
FOERST, Gerda M. S. Leitura de imagens: Um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004.
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Monografias:
ALVES, Augusto Capovilla. Projeto: FOTO-GRAFA. Vitória: UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), 2006.(monografia de conclusão de curso)
AGUIAR, Tânia Pereira. Leitura de imagens: Uma abordagem na sala de aula. Vitória: UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), 2005. (monografia)
Fotolivros:
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NEVES, Eustáquio. Coleção FOTOPORTÁTIL, vol.5, São Paulo: Cosac Naify, 2006.
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RENNÓ, Rosângela. O Arquivo Universal e Outros Arquivos. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
WECHSLER, Lawrence. David Hockney _ Camera works. 1ª ed. London: Thames and Hudson Ltd, Great Britain, 1984.
sexta-feira, 3 de agosto de 2007
Venda sob Prescrição
A presente série fotográfica é resultado de um projeto que tinha como principal manifestação as intervenções urbanas na cidade de Vitória no Espírito Santo e a cidade de Florença, na Itália.
A obra caracteriza-se por um objeto. Uma caixa de papelão revestida com folha de jornal xilogravada, em preto e vermelho, com imagens de mapas-múndi imaginários criados pela artista.
O desejo de conhecer o mundo e descobri-lo é desenvolvido nesta obra através da incisão de formas imaginárias sobre a madeira, que representam mapas imaginários impressos em preto sob um fundo vermelho sangue.
Inúmeras interpretações podem ser feitas em torno de tal obra, uma delas referente ao título cujo, Venda sob prescrição seria proveniente de uma alusão às tarjas pretas dos remédios controlados vendidos no país e cuja referência inicial, remetia às noticias da imprensa, veiculadas pelo jornal, principal suporte no qual a artista cria estes cenários- mundos. Consumir notícias hoje, passou a ser fator de risco, daí a necessidade de se consumir sob prescrição, preferencialmente elaborada por uma crítica de mídia, para se precaver de eventuais atentados à saúde da democracia.
Intervir no meio urbano com tais objetos seria alertar para a urgência de se estabelecer um papel ativo diante dos meios de comunicação de massa sabendo de sua importância e poder de manipulação da opinião pública.
Este trabalho, exposto na Itália, leva o título de Vendita su la prescrizione e
assume um valor diverso uma vez que neste país não existem remédios de rótulos pretos o que impede a associação com a idéia inicial. Contudo, a potência da imagem e das idéias suscitadas pela conexão entre cores fortes (vermelho e preto), notícias de um jornal estrangeiro (A Gazeta de Vitória/ES) e os meios de comunicação de massa levam o espectador a estabelecer suas relações de questionamento, estranhamento e apreciação estética quando posto diante do objeto em questão.
Procuramos realizar inúmeras possibilidades de inclusão destas caixas em relação aos espaços urbanos, tendo a fotografia como principal fonte de registro da ação, como geralmente, sucede com este tipo de manifestação.
As fotografias reproduzidas fazem parte de uma série de cerca de 50 imagens produzidas com câmera analógica pelo artista plástico Luca Fontani. Procuramos relacionar tais objetos não só com os espaços físicos mas, também pesquisamos as relações que as pessoas poderiam estabelecer com tais objetos a fim de verificarmos suas reações. Pudemos verificar reações diversas de constrangimento, bom-humor, indagação e contemplação. Constituindo-se, este momento, em fator precioso de observação da recepção da obra.
Intervenção cirúrgica
O presente projeto ainda em andamento, tem como unidade modular, objetos compostos por fotografias cubificadas.
“Intervenção cirúrgica”, entende-se por incisões, cortes e exclusão sobre o plano fotográfico, centrados em determinadas partes de um corpo. Neste sentido as incisões fragmentam a imagem fotográfica, conferindo-lhes uma nova forma de fruição. Agora o observador é restringido à metade da imagem e a fragmentos ainda menores, mudando desta maneira, a relação entre a obra e o público.
Agrupando as imagens segundo um julgamento estético pessoal, estabeleço novos “punctuns”. Seleciono as áreas a serem visualizadas e velo os lados e a face posterior de alguns cubos. A fim de concluir e pontuar esta seleção pessoal, feita a partir de seleção alheia, fecho um determinado número de cubos, em um invólucro de material acrílico. Quando digo partir de uma seleção alheia, refiro-me àqueles trabalhos fotográficos produzidos por outrem. Refugos obtidos dos quase extintos laboratórios fotográficos P&B.
Contudo, algumas composições, são produzidas e selecionadas segundo um critério pessoal desde sua essência, ou seja, a partir de fotografias produzidas por mim.
O caráter relacional da obra é o foco da exposição. Apresenta ao público a possibilidade de tocar a fotografia e adquirir um novo conhecimento sobre a imagem que emerge nesta relação de inferir sobre o objeto.
Objetos palpáveis, que ganham movimento nas mãos do observador. Ganham novos “punctuns” e significados outros que podem abranger o lado oculto de cada elemento em particular.As dimensões dos objetos variam de 8cm (cúbicos) a 30cm (cúbicos). Mais imagens podem ser vistas no site:
terça-feira, 31 de julho de 2007
A leitura da imagem fotográfica em sala de aula
Todas as propostas a seguir trazem como premissa o desenvolvimento de um olhar mais apurado, ou seja mais analítico e crítico sobre a imagem fotográfica.
Segundo KELLNER[1], a crítica contribui para identificarmos focos de resistência e dominação dentro da cultura midiática a fim de, reforçarmos a luta por uma sociedade mais democrática. Tal fato, porém, implica a necessidade de um estudo cultural minucioso que revelará mídias repletas de ambigüidades e antagonismos, inerentes a uma investigação sociológica da imagem. Revelando a coexistência de conteúdos ideológicos diversos com diferentes focos de contestação que representam visões multiculturais específicas da contemporaneidade.
KELLNER desenvolve uma metodologia de análise crítica da cultura de mídia levando em conta a diversidade cultural e sugerindo uma leitura sócio-histórica, que atente para os focos de luta, de correntes variadas como, por exemplo,as perspectivas feministas, marxistas, raciais e a sua complexa formação. Bem como o aprofundamento ou o intercâmbio entre conhecimentos do campo da psicologia, da semiótica, da história, dentre outras ciências, a fim de, aprofundar o olhar através da utilização de pontos de vista variados e abarcar uma pluralidade de fatores.
Embora saibamos que o valor estético de uma obra não possa ser julgado ou reduzido apenas ao seu conteúdo, também não podemos ignorar que o objeto de arte por instituir-se como produto sociológico, não estará isento de ideologias, posições políticas ou morais, em sua gênese. Tal fato, levado em conta, agregará valores no momento da análise.
O referencial de Rosângela Rennó não deve ser entendido como obrigatório. Foi utilizado nesta pesquisa por relacionar-se com questões fulcrais que permeiam a imagem fotográfica e a imagem midiática no atual contexto da arte brasileira e por ilustrar o que atestamos anteriormente, como valor agregado de contestação social inserido na obra de arte. Na medida em que a artista introduz em sua obra elementos excluídos ou oprimidos historicamente. Tal como o papel da representação feminina, do casamento, do negro e dos indivíduos marginalizados em nossa sociedade.
O professor de artes hoje, depara-se com realidades diferentes que, têm em comum o excesso de exposição às imagens midiáticas e, em contraposição, a carência de acesso às imagens produzidas no campo das artes plásticas bem como do acesso a análises críticas dessas mídias. O consumo de imagens em alta velocidade, como é o caso das mídias televisivas, cinematográficas ou na internet imprime no telespectador uma maneira pré-editada e programada de percepção[2] que, geralmente, propaga valores eurocêntricos[3] de caráter dominador, que levam a sociedade a um processo de alienação cultural e desconhecimento do potencial da imagem como veículo de informação. Tornando os indivíduos incapazes de se colocar de maneira investigativa e crítica diante de sua realidade e transformando-os em consumidores passivos.
Assim, propomos como ponto de partida, ao trabalhar fotografia com estudantes de nível médio, um debate sobre as imagens midiáticas, cinematográficas, fotojornalísticas e publicitárias. Tais imagens, por fazerem parte do cotidiano dos estudantes e por serem amplamente veiculadas pelos meios de comunicação de massa, podem servir como rico material de introdução ao tema de pesquisa para, posteriormente, abranger artistas que trazem uma crítica a esses meios, às imagens e à maneira como elas são veiculadas ou que utilizam a imagem fotográfica como forma de expressão. Aproveitando para avaliar as mídias em que são difundidas tais imagens e a maneira que essas mídias se utilizam para difundi-las. Tal avaliação comparativa ajudará o aluno a perceber a influência que os veículos transmissores de informação exercem em nossa maneira de perceber a imagem e como acaba por influir na nossa maneira de perceber e se relacionar com o mundo.
Uma metodologia viável pode partir da análise de imagens que se encontram no cotidiano do aluno para, estabelecer uma postura reflexiva com a imagem fotográfica. A fim de compreender e levantar questões acerca de seu alcance no imaginário coletivo (através da análise das reações e opiniões do público), suas influências na constituição da sociedade e sua funcionalidade. Pode-se, posteriormente, estabelecer um paralelo com as imagens no campo das artes plásticas, neste caso, com os trabalhos da artista Rosangela Rennó, que ressignificará o papel da mídia em sua trajetória artística, utilizando-a como matéria-prima para o desenvolvimento de sua linguagem.
Estabelecer essa relação trará à luz uma conexão entre arte, cotidiano e realidade do aluno que poderá, se desejar, incorporar idéias contidas nas obras da artista, por entender a sua crítica diante da sociedade ou numa outra abordagem, estabelecer relações entre o papel da arte em nossa sociedade, ou ainda, partir para um exercício de produção própria.
Como referência histórica no campo da leitura de imagem, recomendo o trabalho proposto por Ana Mae Barbosa[4]. Sua proposta visa desenvolver vivências que incluem a fruição ou observação das obras, uma interpretação e um fazer produtivo, estabelecendo relações com um desenvolvimento da capacidade de crítica da obra de arte, por parte do aluno. Propondo alguns procedimentos com base na descrição, produção e análise de imagens. De sua interpretação e julgamento, especulando seus significados com base em dados coletados anteriormente, discutindo questões estéticas que tratam diretamente de sua qualidade expressiva, sem emitir juízos de valor como conceitos de belo ou feio. Segundo Ana Mae: “Quando falo de conhecer arte falo de um conhecimento que nas artes visuais se organiza inter-relacionando fazer artístico, a apreciação da arte e a história da arte.”[5]
Estudamos ainda, a proposta metodológica com base em estudos semióticos realizados por Ana Amélia Bueno Buoro, em seu livro: Olhos que pintam[6] que, por sua vez faz referências a pesquisadores como Robert Ott, Edmund Feldman, Michael Parsons e A. J. Greimas dentre outros.
As propostas desses pensadores sobre o ensino de arte nas escolas convergem de certa maneira para pontos em comum, tal qual podemos verificar na proposta de Robert Ott que vem de encontro à proposta de BARBOSA e BUORO e a qual citaremos a seguir, a fim de complementar as sugestões postas anteriormente, de análise da imagem com fins didáticos.
Segundo Ott[7], tal análise pressupõe as seguintes ações: descrever, analisar, interpretar, fundamentar e revelar. Descrever implica em investigar tudo o que pode ser percebido sobre uma obra que se pretende estudar criticamente; Analisar é, segundo o autor, a investigação dos elementos da composição e formas da obra de arte; Interpretar se transforma no momento da expressão de reações, reflexões e emoções suscitadas pela obra; Fundamentar é a possibilidade de agregar conhecimento e informações à obra, que provenham da história da arte e do campo da crítica; Revelar consiste no desenvolvimento, pelo aluno, de uma produção artística inicial;
Com base em experiências práticas de oficinas realizadas com alunos do ensino fundamental e médio[8] e estudos de arte - educadores como Joly, Ana Mae e Buoro pensamos a análise de imagens a partir de alguns pressupostos, com ênfase nos exercícios de observação e problematização.
Para JOLY[9], a leitura de imagem sugere três questões e a definição dos objetivos de análise:
Um ponto fundamental para definir uma metodologia de análise está na definição dos objetivos que se deseja atingir ao analisar uma determinada imagem. A definição dos objetivos possibilitará planejar e encontrar os meios mais adequados para definir a pesquisa e investigar a temática escolhida.
A primeira refere-se à imagem como “linguagem universal” por se tratar, muitas vezes, de algo reconhecível, o que sugere uma leitura natural, não exigindo do leitor nenhum aprendizado. Segundo JOLY, esse pensamento pode contribuir tanto para a banalização do ato perceptivo como para a introdução de aspectos elementares na leitura de uma imagem, que não pode se reduzir a identificar objetos retratados.
Contudo, procuraremos refutar que, nenhuma leitura pode ser natural, uma vez que é efetuada de acordo com um repertório cognitivo adquirido a partir de experiências anteriores. Daí a banalização à qual Joly se refere. A nosso ver, ele coloca como leitura “natural” aquela que aprendemos intuitivamente mesmo antes do domínio do texto escrito, leitura essa realizada, na maior parte das vezes, sem um conteúdo crítico pormenorizado. Em suma o autor propõe um estranhamento ao comum, ou seja, uma desnaturalização e um enriquecimento perceptivo do ato de ver. Tal exercício nos permite rever uma imagem a partir de uma nova ótica e compreender que interpretar é ampliar a capacidade de compreensão de uma imagem ao infinito. Com um desejo de descobri-la para além da banalidade ou do comum a que pode ter sido legada. Propiciar ao espectador desta obra, uma nova elaboração de idéias na percepção de detalhes que antes não foram observados. Uma ressignificação de símbolos, mesmo que estes já tenham sido amplamente difundidos. Provando que é possível reverter esta percepção ao infinito, toda vez que o espectador relaciona-se com a obra de maneira criativa.
A segunda terá um caráter problematizante e perscrutador, relaciona-se ao que o autor atentou, como sendo uma leitura em busca da intencionalidade de seu produtor. Interpretar uma mensagem e analisá-la, não consiste apenas em tentar encontrar ao máximo uma mensagem pré-existente mas, compreender e questionar o que essa mensagem, nessas circunstâncias, provoca em termos de significação aqui e agora, enquanto se tenta separar o que é pessoal do que é coletivo e, neste ponto, vamos de encontro às considerações feitas por outros autores que citamos no segundo capítulo do presente trabalho.
A terceira questão vincula-se ao caráter artístico que uma imagem possa apresentar. Esse aspecto poderia ser um impeditivo da leitura, pois a arte não seria da ordem do intelecto apenas, segundo ele, mas do afetivo e do emotivo. Segundo Joly, temos o hábito de considerar o campo da arte oposto ao da ciência, de pensar que a experiência estética pertence a um pensamento particular, irredutível ao pensamento verbal. Com tais afirmativas, o autor supõe que as imagens no campo da arte podem e devem (se houver interesse ou necessidade) ser analisadas sistematicamente, inclusive, através de meios técnicos.
Já Ana Amélia Bueno Buoro[10], fala do reconhecimento de uma linguagem visual que, para ser lida, precisaria ser entendida em sua sintaxe, comparando a introdução à leitura de imagem, a uma espécie de “alfabetização” através dos elementos plásticos contidos na obra. Daí a necessidade do educador também se formar como um leitor de imagens visuais.
Neste ponto conviria dizer que, a abordagem semiótica feita por BUORO, vai de encontro ao que, para KOSSOY, implicaria numa análise iconográfica[11], detendo ambos, pontos em comum, apesar da utilização de metodologias diferenciadas, bem como conceituações referentes à sua área de pesquisa específica.
Contudo, ao pensar em “alfabetização”, nos sobrevém a idéia de uma metodologia de ensino-aprendizagem que leve a tal resultado e, sobre isto, cabe uma reflexão importante: Pensar a alfabetização de imagens, não é pensar de maneira restrita, onde a existência de uma determinada metodologia funcionaria tal qual um receituário pronto para ser aplicado em uma sala de aula. Este é um processo complexo do qual, tratam muitos outros arte-educadores e que cabe a cada educador-pesquisador, encontrar a partir de sua realidade, os fundamentos elaborados por diversos teóricos da educação, refletir sobre suas idéias e propostas e trocar experiências experiências a fim de pensar e refletir sobre a sua realidade.
Assim como KOSSOY, BUORO ressalta a importância do conhecimento historiográfico para o ensino da arte e aprofundamento na compreensão da imagem.
No caso da obra de Rennó, seria necessário, segundo Buoro, buscar referências históricas em textos escritos por historiadores, críticos de arte e inclusive pela própria artista (em forma de depoimentos, entrevistas ou textos), para entendermos melhor a sua obra, sua trajetória profissional, processos de criação, conflitos e a maneira como concebe seu trabalho em relação com o mundo. Tal processo metodológico, contextualizaria a obra e ampliaria nosso conhecimento acerca de sua linguagem, intencionalidade, produção e relevância histórica para a arte contemporânea.
A autora atenta, ainda, para o fato de que, a análise histórica se constitui também na linguagem do historiador, que por sua vez dispõe a sua leitura pessoal e discurso persuasivo.[12] Assim, tal fato, exigirá do pesquisador uma leitura crítica destas fontes.
Uma sugestão dada pela autora implica na leitura da própria imagem, ou seja, para melhor compreender uma obra, seria importante nos pautarmos na própria obra como elemento crucial de nossa análise. Pois, a obra em si, já abarca grande parte dos elementos necessários para estabelecer um diálogo introdutório a fim de a compreendermos melhor. Passando, posteriormente, ao texto ou conteúdo histórico e sociológico, não sendo estas, necessariamente uma ordem metódica.
Um ponto de partida para a leitura da obra, segundo Ana Claudia de Oliveira (também citada na tese de Buoro) propõe um itinerário de leitura perceptiva dos elementos constituintes da obra em relação uns com os outros.
Estabelecer relações entre os elementos da imagem, segundo Buoro, seria perceber em seu significado, na medida em que a leitura se aprofunda e se constrói com base na análise de dimensões visíveis ou invisíveis na obra, a maneira como os elementos se modificam e dialogam para compor o conjunto da mesma. Como aspectos visíveis, a autora cita alguns desses conteúdos imprescindíveis para a leitura, aos quais ela denomina em sua obra como dimensões eidéticas, cromáticas e topológicas[13]. Apesar de serem abordados para a análise de pinturas, procuramos ao ler sua tese, captar elementos que pudessem ser aplicados à leitura da imagem fotográfica o fizemos também, quando descrevemos as obras colocadas neste trabalho para análise[14].
As dimensões eidéticas (relativas à forma, às linhas, aos planos), as cromáticas (relativas às cores) e as topológicas (que relacionam e os elementos eidéticos e cromáticos no espaço da obra, trabalha composição como um todo, tratando não apenas das questões relativas a volumes[15] e espaços mas, também, todas as referências presentes nas outras dimensões[16]. Disposição da obra no espaço, iluminação, suportes, materialidade, dimensões.
Enfim, como dito anteriormente, o desenvolvimento de qualquer proposta em sala de aula, dependerá dos critérios adotados pelo professor e do planejamento traçado por ele junto à turma, de acordo com os objetivos que se deseja atingir. Para isso, acreditamos que o educador não precisa restringir-se a abordagens que dizem respeito apenas ao campo da arte, mas deve também, permear o campo da cultura midiática e analisar imagens fotográficas que compõem o universo publicitário, fotojornalístico e o ciberespaço ajudando os alunos a perceber a maneira como essas imagens estão atuando profundamente na formação de nossa sociedade.
Importante levar em conta que os jovens, hoje, são também produtores, consumidores e difusores de imagens fotográficas, sobretudo, pela internet ou pela televisão. Daí a relevância de pesquisar, de maneira crítica, essa vasta produção (amadora ou não) e refletir sobre seus aspectos junto à atualidade e de que maneira os conhecimentos do campo da arte podem ajudar no questionamento e transformação deste tipo de produção, cujas conseqüências, intimamente ligadas ao culto imagético, sobretudo da auto-promoção narcisística, do culto da imagem de caráter eurocêntrico e do consumo, ainda não terem sido amplamente delineadas por estudos sociológicos.
[1]KELLNER, Douglas. A cultura das mídias. Estudos culturais: identidadee política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001, p. 132.
[2] Cf. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Midias. São Paulo: Contexto, 2006, p. 18.
[3] Entende-se por abordagem eurocêntrica, não apenas as manifestações culturais e visões de mundo provenientes do continente europeu mas, também, aquelas de países como os Estados Unidos que mantêm e exercem um domínio sobre os demais países. Ver: SHOHAT, Ella e STAM, Robert _ Crítica da imagemeurocêntrica._ Multiculturalismo e representação. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
[4] Cf. BARBOSA, Ana Mae. A importância da imagem no ensino da arte: Diferentes metodologias. (Apud. A imagem no ensino da arte: Anos 80 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991, p. 36-37.
[5] BARBOSA, 1991, apud FOERST, Gerda M. S. Leitura de imagens: Um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004, p. 99
[6] Cf. BUORO, Ana Amélia Bueno. Olhos que pintam: A leitura da imagem no ensino da arte. 2ª ed. São Paulo: Educ/Cortez, 2003, p. 31.
[7] Robert Ott, p.128; Apud. FOERST, Gerda M. S. Leitura de imagens: Um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004.
[8] Foram realizados estágios com estudantes de escolas públicas e particulares nos anos letivos de 2006 e 2007, na cidade de Vitória.
[9] Apud. FOERST, Gerda M. S. Leitura de imagens: Um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004, p. 41-46.
[10] Cf. BUORO, Ana Amélia Bueno. Olhos que pintam: A leitura da imagem no ensino da arte. 2ª ed. São Paulo: Educ/Cortez, 2003, p. 31.
[11] A análise Iconográfica tem o intuito de detalhar sistematicamente e inventariar o conteúdo da imagem em seus elementos icônicos formativos; o aspecto literal e formativo prevalece, o assunto registrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo, além de corretamente identificado. KOSSOY, Op. Cit. p. 95.
[12] Cf. BUORO, 2003,p. 78 e 66
[13] Cf. BUORO, 2003,p. 134.
[14] Ver p. 14 a 17 desta monografia.
[15] Quando aqui falo de volume, refiro-me à ilusão de volume causada entre as relações de luz e sombra encontradas na fotografia.
[16] Ibid., p. 135
O Grande Jogo da Memória
O Grande Jogo da memória (1991)
Fotografia, plástico polivinílico (detalhe com 156 peças)
Dimensões 6,5 X 9,5 cm (cada)
HERKENHOFF, Paulo. Rosângela Rennó. São Paulo: EDUSP, 1998.
Também esta obra sofrerá limitações de análise, por se tratar de uma investigação feita a partir de impressões de imagens fotográficas difundidas sob o mesmo registro em outros livros e sites. Como pudemos verificar nessas fontes, em momento algum, encontra-se um registro que leve em conta a recepção da obra pelo público ou maneiras de interagir que aprofundem sua compreensão. Permanecendo a impressão sugerida pelo registro do fotógrafo e pelo caráter da obra representada. Ainda que, em síntese, tenhamos conseguido captar sua essência interpretativa, nada substitui a vivência in loco e a confrontação com a mesma em tempo real. A relação estabelecida com a obra bem como o local que ela ocupa no espaço expositivo, a ressignifica e lhe agrega valores, que só a vivência pode fomentar.
Tal fato, contudo, longe de impossibilitar minha análise, coloca em prática e explicita questões abordadas nesta pesquisa sobre a fotografia e a realidade. No caso desta obra, em especial, a fotografia revela-nos o mistério e mantém-no velado. Na medida em que nossa curiosidade encontra-se impossibilitada de explorar e desvelar a obra, em tempo real, mesmo que (e isto é importante relembrar), saibamos que todas as fotografias desse jogo da memória sejam de pessoas anônimas, não nos contentamos com imagens imaginárias e desejamos visualizar a obra como um todo, tal como foi concebida pela artista. Analisando uma a uma as fotografias escolhidas e as pessoas selecionadas para compor este “jogo”. Não nos contentamos com o fato de criar outras possibilidades fisionômicas para as “cartas” que estão ocultas pois, este tipo de imaginação, apesar de criativa produz “novos” anônimos e a obra acaba por adquirir um novo significado.
Tal curiosidade transita entre o desejo de revelação das imagens representativas desses indivíduos e o desejo de revelação da própria obra, o que nos põe em contato com a expressão da artista, que revela: “As veladuras e apagamentos intencionais que proponho, tem como objetivo gerar uma espécie de dificuldade, para forçar o espectador a buscar a imagem no limite da visibilidade.”[1] O que nos faz imaginar ainda, as possíveis maneiras que ela estrutura a obra a fim de provocar reações diversas tendo, como referencial particular o espectador diante da obra.
Contudo, outras coisas nos instigam, tanto na imagem desta obra quanto na obra em si, conhecer a origem de cada imagem que a compõe e colocar esse “jogo” em prática, jogando-o. Desejamos descobrir como se deu o processo criativo de produção desde sua concepção até a sua instalação em diferentes espaços expositivos, sua repercussão nas diversas localidades e com públicos distintos.
No livro da EDUSP à cerca de Rosângela Rennó[2], consta sobre os trabalhos realizados pela artista no decorrer de sua carreira, descrevendo alguns pontos significativos nesta construção da dualidade Identidade/Não Identidade, em sua trajetória e afirma: “Rennó opera a crítica, através da articulação das imagens, da própria função simbólica da fotografia como processo de retenção do tempo.”[3]
Puzzle
Puzzles (1991)
Fotografia, acrílico, parafusos, eucatex e madeira
Dimensões 57 x 68 X 2,5 cm
Coleção de Isabella Prata (São Paulo).
Foto: César Duarte.
SILVA, Fernando Pedro da & RIBEIRO, Marília Andrés. Rosângela Rennó: Depoimento [Edição do texto e organização do livro: Janaína Melo] Belo Horizonte: C/Arte, Coleção Circuito Atelier, 2003.
Rosângela Rennó, na série de jogos que remetem a brinquedos infantis, volta-se para uma construção mais pedagógica[1] de construção do olhar social através da fotografia, como nas obras Puzzle (Mulher e Homem) (1991) que se compõe de dois tabuleiros sobre dois pedestais de madeira, individuais e separados, dispostos lado-a-lado, contendo imagens móveis de um quebra-cabeça. Cada pedestal expõe uma imagem fragmentada de uma fotografia de identidade, ampliada para as dimensões: 54x68 cm.
Tal foto, de autoria de César Duarte, registra a maneira como essas obras foram expostas. Esta imagem aparece em outros meios de reprodução, sendo eles bibliográficos e digitais, o que a transformou no registro documental de maior acesso para análise. No entanto, mesmo mediante diversas buscas não pudemos encontrar outras imagens referentes ao registro da mesma obra.
Ao mesmo tempo, a artista parece criar um paradoxo entre as idéias de FLUSSER, quando enfatiza, literalmente, a condição de “peças de um jogo”[2] ao colocar as fotografias 3x4, em forma de um jogo da memória, pois, na medida em que deixa clara a idéia de que nos tornamos peças de um jogo, também nos estimula a jogá-lo. O fragmento do texto parece atestar tal idéia do autor: “O universo fotográfico é um dos meios do aparelho para transformar homens em funcionários, em pedras de seu jogo absurdo.”[3]
A utilização de fotografias 3x4 nesses trabalhos provém da intencionalidade, de Rennó, de trabalhar com a identidade das pessoas representadas nessas imagens. Ao longo de seu trabalho, a artista modifica a aplicação dessas fotografias em moldes variados, ressignificando-os. Sendo ora ampliadas e expostas em seqüência sem identificação das pessoas, ora compondo objetos ou jogos, como podemos ver nas imagens a seguir. Como se tudo isso se constituísse num universo de jogos de reconstrução da memória, da identidade que o próprio objeto fotográfico propõe.
A fragmentação dessas imagens gera um dinamismo do olhar, na busca por uma recomposição e ordenação das partes num esforço, também simbólico, de reconstituição da identidade perdida, do indivíduo anônimo. Tal fato desencadeia um processo mental que tende a reconstituir as imagens em nossa memória, numa tentativa de ”estabilizar” a imagem.
Segundo Herckenhoff na obra puzzle: “faz-se uma alusão aos cortes na composição fotográfica, agora segundo um outro sentido, não para a imagem, mas para o próprio ato do corte. A obra é propiciatória da experiência simbólica de reconstituição do sujeito.”[4]
Ao analisarmos as imagens identificamos pistas que nos remete à um outro tempo. A ausência de cores, as vestimentas formais e características fisionômicas (corte de cabelo e bigode) dos indivíduos, revelam um tempo passado e nos remetem, em alguns casos, às fotografias de documentos de parentes distantes em um tempo ou espaço longínquo, de pessoas que nem chegamos a conhecer. Esta sensação de identificação com um familiar remoto, estabelece um laço afetivo de ancestralidade. A partir de obras como essas podemos encontrar uma relação com o passado, com entes que viveram antes de nós e daí agregamos um fator que é a curiosidade. Poder-se-ia imaginar que tais indivíduos anônimos pudessem ter vivido no tempo de nossos avós ou bisavós e nos tornamos, de certa maneira, “solidários” a essas “pessoas”, lançando sobre essas imagens um olhar afetivo, como o olhar que lançamos a uma pessoa órfã ou perdida.
Barthes atribui essa sensação ao caráter subjetivo que uma fotografia pode apresentar diante de cada espectador (Spectator), mediante a relação que este estabelecerá com ela e afirma: “Eis-me assim, eu próprio, como medida do “saber” fotográfico. O que meu corpo sabe da fotografia?” [5]
Tal sensação, ele também relaciona com um sentimento de morte que, de certa forma os fotógrafos contribuem para difundir na medida em que reduzem um momento vivo em uma cena congelada em um papel fotográfico e compara o horror da morte à sua plenitude. Talvez a melancolia que nos assola quando vemos uma fotografia, como quando nos deparamos com os trabalhos de RENNÓ, possa ser relacionada com um sentimento de dor vivenciado pela certeza de nossa própria morte e sobre a qual BARTHES, expõe na seguinte passagem: “O único “pensamento” que posso ter é o de que no extremo dessa primeira morte está inscrita minha própria morte; entre as duas mais nada, a não ser esperar.”[6]
Cabe relembrar que tais fotos trazem em si conteúdos objetivos e técnicos próprios de uma fotografia para documentos de identidade. E aqui, valho-me das observações metodológicas de KOSSOY,[7] ao inferir sobre dada imagem, questionando seu uso e procedência original a fim de compreender sua função em um dado momento histórico, além de sua importância e configuração no momento presente. Neste caso, a importância dessas imagens fotográficas, que passam a fazer parte de uma obra de arte e ganham um novo contexto histórico de valor, para o campo das artes plásticas é que elas ressignificam a configuração inicial para a qual teriam sido “programadas”. Como, por exemplo, a utilização de fotografias em preto e branco que tende a parecerem mais antigas do que realmente são.
Na obra, visualizamos tais imagens e sabemos que foram produzidas num espaço de tempo delimitado pelas implementações tecnológicas de sua época. Pois, com a difusão da fotografia colorida, até mesmo as fotos para documentos, amplamente produzidas em preto e branco até a década de 1980, passaram a ser produzidas a cores a partir de 1990, até chegar aos nossos dias quando não encontramos mais fotografias 3x4 em preto e branco.
Contudo, ainda hoje, são produzidas fotos em preto e branco através da fotografia digital, que continuam insinuando um tempo de um passado remoto, somente contradito pelos elementos iconográficos da foto, as vestimentas, as posturas das pessoas representadas e pelo resultado estético característico do papel de impressão digital cuja materialidade difere daquele tradicional, utilizado para negativos.
As fotografias para documentos, agregam um valor específico para a obra, uma vez que de maneira geral, e até hoje, são produzidas de forma mecânica e objetiva, em estúdios fotográficos e com cânones pré-estabelecidos, para cumprir um papel de identificação do sujeito. São estas características que se relacionam com a obra e a configuram com o intuito de trazer à tona um retrato, cuja objetividade de cada indivíduo estaria supostamente à mostra, revelando-se inclusive, em sua forma aparente de apresentação.
A própria maneira como a artista instala ambas as obras as insere em espaços geométricos retangulares que, enquadram as imagens numa mesma estrutura matemática, proporcional e pré-formatada, aspectos estes que, contribuem para afirmar a posição rígida em que estão dispostas. Lado-a-lado homem e mulher como em um altar, prostrados diante do tempo, com fisionomias sérias e resolutas, parecem nada dizer à cerca do tempo em que se inserem e se evidenciam pelas vestes e penteados, além de uma datação na direita inferior da foto do homem que denuncia um tempo em que a datação da fotografia tal como se apresenta nesta imagem, tende a delimitar o sujeito num espaço-tempo objetivo, que parece rotulá-lo com os seguintes dizeres: “Data de validade específica e delimitada”, uma espécie de “coisificação” do indivíduo, como se faz com as fotos de passaportes produzidas até hoje, com fotos de presidiários e com mercadorias industrializadas, amplamente registradas, datadas e controladas.
Como o contato que estabelecemos com essa obra, “puzzle”, está sendo realizado através de imagem impressa e não pessoalmente, colocamos aqui umas questões: São os fragmentos desta obra, dotados de mobilidade? Poderíamos através da interação com a obra, remontarmos estes quebra-cabeças, essas imagens fragmentadas? Provavelmente sim e esta postura de interação com a obra, também está sendo determinada pela artista, que mantém o espectador em pé, diante das imagens, contrariando a posição à priori relaxada, na qual comumente nos dispomos diante de jogos desta categoria. Como se quisesse ressaltar que, apesar de ser um jogo, ele não possui o caráter de entretenimento lúdico ou escapista. Fato que se reforça com as fisionomias austeras dos retratos que aparecem com esfinges, a indagar o espectador.
[1] Idem, p. 137.
[2] Ver imagem p. 33 do presente trabalho
[3] Op. Cit. p. 65
[4] Op. Cit. p. 138
[5] Cf. BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Trad. Julio Castañol Guimarães, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 20.
[6] Idem. p. 138.
[7] KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
A fotografia na obra de Rosângela Rennó
Série “Pequena ecologia da imagem”
1988 Fotografia em papel de brometo de prata
Dimensões 35 x 27 cm ou 120 x 80 cm
A escolha de Rosângela Rennó[1] como ponto de partida para análise da fotografia contemporânea nas artes plásticas, adequou-se a essa pesquisa por diversas questões: A importância que a artista representa para o cenário da arte contemporânea internacional, pelo trabalho de fusão entre fotografias jornalísticas e refugos fotográficos resgatados de diferentes épocas e fontes, que a mesma explora através da apropriação e manipulação para realizar suas obras. Pelo poder que essas obras têm de recodificar imagens fotográficas e inseri-las num outro contexto perceptivo e simbólico que trazem à tona questões de ordem sociológica, política e ideológica além de trabalhar com a memória coletiva e individual, com idéias de construção/desconstrução de uma identidade nacional multicultural, associando esses conceitos ao fazer artístico, até a elaboração do projeto final de uma obra de arte, que ocupa um espaço tridimensional. “A poética de Rosângela Rennó rompeu de vez com as fronteiras entre a fotografia, as artes visuais e a literatura, adentrando um terreno anterior a qualquer modalidade estética instituída: o território próprio da arte.”[2]
Com base nas reflexões desenvolvidas no capítulo anterior, analisaremos algumas obras da artista, iniciando com uma breve contextualização histórica de seu trabalho e formação.
Rennó graduou-se em arquitetura pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1986 e em artes plásticas pela Escola Guignard, em 1987, também em Belo Horizonte.
Doutourou-se em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade da São Paulo, mudando-se posteriormente para o Rio de Janeiro. Iniciou sua trajetória artística na década de oitenta, tendo realizado sua primeira exposição coletiva, na Galeria IAB, em 1985 e primeira exposição individual quatro anos depois, na Sala Corpo de Exposições, ainda em Belo Horizonte.
Nesta mesma década ganhou prêmio em salões e galerias de arte no Rio, em Belo Horizonte e São Paulo. Tais prêmios introduziram-na numa trajetória de exibição em muitos outros lugares do país e no exterior, nos quais a artista pode participar e garantir uma representatividade da arte contemporânea brasileira em vários países europeus e americanos. Hoje, seu acervo pode ser encontrado em inúmeras coleções de arte no país e no exterior.
Em 1997 é publicado o livro Rosângela Rennó, dentro da série artistas da USP, que apresenta a obra da artista por meio do ensaio “Rennó e a beleza e o dulçor do presente”, escrito pelo crítico Paulo Herkenhoff, que utilizo como referência nesta pesquisa.
Rennó faz parte de um período da produção artística contemporânea que consolida o rompimento com inúmeros cânones da arte moderna, fundindo as barreiras entre as linguagens artísticas e preconizando o que FLUSSER[3] escreveu sobre a questão da superação do aparelho na fusão entre a arte e fotografia.
Conseguindo transcender a máquina desviando a ênfase no “aparelho” para a ênfase no desenvolvimento de estéticas relevantes para o campo da arte o que, consequentemente, modifica o modo de fruição do espectador com a obra, ou seja, consegue modificar de certa maneira, a forma como o espectador se relaciona com a obra. Ampliando as formas tradicionais de apresentação da imagem fotográfica (papel fotográfico, bidimensionalidade, formato retangular) a artista amplia também as possibilidades de reflexão e percepção de uma mesma imagem através da expansão dos pontos de vista, não somente pelo ângulo de composição da fotografia, mas também pelas diversas formas que esta pode tomar quando adentra o espaço das galerias de arte. Essa modificação permite ao espectador refletir sobre coisas outras, que vão além da própria imagem e que, possibilitam muitas vezes estabelecer conexões com um tempo histórico específico, com condições sociológicas evidenciadas, com possibilidades filosóficas suscitadas e com o próprio papel da fotografia e da arte em nossa sociedade.
Na década de 1980, RENNÓ passa a colecionar fotografias antigas, adquirindo-as de álbuns de família descartados, em estúdios populares ou em feiras. Quando em 1989 muda-se para o Rio de Janeiro define seu trabalho como mais realista e agressivo, dizendo-se influenciada pelas características da metrópole e pelos trabalhos de Hélio Oiticica e seus Bólides[4]. Trabalha com sobras da cultura e fotogramas descartados, arquivos penitenciários, notícias da crônica social ou policial, recompõe as imagens e as reorganiza em sua trajetória como artista para elaborar suas obras. Com este material inicia um trabalho que denominou “Arquivo universal”.[5]
Apropria-se de tais imagens e atribui sua própria leitura na construção de uma linguagem para as artes plásticas. Deixa de produzir imagens, priorizando o resgate do que ficara esquecido pela produção massificada da pós-modernidade.
Segundo a artista, toda fotografia seria mentirosa e constituída por uma névoa simbólica, um espaço inatingível, que seria o próprio acesso ao momento em que a foto foi produzida e a percepção de toda a complexidade inerente a um determinado instante.[6]sociolquest atualidade, trazendo as,stfotografia contempor
Tadeu Chiarelli, ao referir-se ao trabalho da mesma artista identifica nele questões peculiares à produção fotográfica das décadas de 1980 e 1990, o que denota a importância da obra de RENNÓ para o contexto da arte contemporânea brasileira, enfatizando, ainda:[7]
Se no princípio, sua produção possuía uma dimensão lírica, comentando as distorções do cotidiano, (através da apropriação de fotos descartadas dos álbuns de família, por não se adaptarem às normas de perfeição técnica), com o passar do tempo passa a ganhar uma potência épica, na medida em que a artista repropõe ao circuito da arte a imagem de brasileiros destituídos de qualquer vitalidade - imagens fantasmagóricas de seres anônimos.
Traçar o panorama composto por artistas contemporâneos que compartilham uma mesma tendência, como o fez CHIARELLI, está de acordo com a proposta de análise iconológica, defendida também por KOSSOY[8] quando este denota a importância de pesquisar outros autores contemporâneos, para se entender a intencionalidade de determinada obra.
Ao estabelecer uma leitura da obra de Rosângela Rennó, nos sobrevêm inúmeras questões. Uma questão marcante é a dualidade com a gênese das identidades fotografadas. Tal questão, também recorrente nos meios de comunicação de massa onde, muitas vezes, as identidades se perdem em meio a um excesso de ícones visuais, parecem apelar para um lugar de sentido no mundo pós-moderno, ou para uma ressignificação. A artista, atentando para isso, constrói sua trajetória artística na busca de saídas e questionamentos em torno deste eixo de indagação social, de um resgate da memória coletiva através do processo artístico.
O crítico de arte, Tadeu Chiarelli, no mesmo texto escrito para a exposição Identidade/ Não identidade: Fotografia Contemporânea Brasileira, escreve sobre a produção de artistas plásticos brasileiros que revelam este mesmo conflito, como cerne de seus trabalhos fotográficos. O autor cita as décadas de 1970 e 1980, como fundamentais para uma mudança, sobretudo no campo da arte, e complementa:
Se a fotografia brasileira até os anos 80 se caracterizou, portanto, e em grande parte, pelo desejo - ou obrigação - de buscar a identidade do "brasileiro", ou dos diversos brasileiros espalhados pelas mais variadas regiões do país, uma nova geração de artistas, surgida no final da década passada, tentou demonstrar através desse mesmo meio (sempre tão preso à captação do "real") a própria negação da possibilidade de caracterizar o brasileiro como ser social ou individual.[9]
Tal exposição reuniu importantes nomes da fotografia contemporânea brasileira, no âmbito das artes plásticas e esteve representada também por Rosângela Rennó.
O autor descreve as linhas de pesquisa dos artistas expositores e identifica duas vertentes de pensamento em torno da questão da identidade: uma que diz respeito a uma valorização dessas “identidades perdidas” e outra que enfatiza essa perda, apagando de vez os traços de individuação. Contudo, algumas dessas vertentes permeiam-se em suas propostas e convergem de uma maneira ou de outra para uma mesma questão, como se pode constatar neste trecho do autor:
Tais artistas, através da exploração da perda da própria identidade ou da identidade do outro, discutem o aniquilamento do indivíduo numa sociedade de massas, com as características avassaladoras que tal tipo de sociedade assume num país como o Brasil.[10]
Outro ponto em comum, segundo o mesmo autor, é a recusa de produzir obras fotográficas onde a objetividade da imagem seja o caráter principal. E aqui cabe relembrar determinadas obras de RENNÓ, cujas características nos provocam reflexões acerca da impossibilidade de identificação do indivíduo fotografado ou da afirmação de seu lugar dentro do contexto de nossa sociedade. O que explica a apropriação de imagens, a utilização de desfoques, cortes, sobreposições de camadas e distorções produzidas a partir de operações técnicas na hora da produção e/ou edição/revelação da imagem ou até mesmo quando da sua exposição. Em contraposição à nitidez da fotografia buscada por fotógrafos de gerações anteriores.
[1] Rosângela Rennó nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1962.
[2] MELO (apud CHIARELLI, 2003, p. 92).
[3] Op. Cit. 1983, cap.2.
[4] Cf. HERKENHOFF, Paulo. Rosângela Rennó. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 134 e 136
[5] RENNÓ, Rosângela. O Arquivo Universal e Outros Arquivos. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
[6] Cf. Rosângela Rennó: Depoimento [Coordenação Fernando Pedro da Silva, Marília Andrés Ribeiro, Edição do texto e organização do livro: Janaína Melo] Belo Horizonte: C/Arte, Coleção Circuito Atelier, 2003, p. 4.
[7] Fragmento de texto escrito por Chiarelli, para a exposição: “Identidade Não Identidade: Fotografia Contemporânea Brasileira”, no MAM de São Paulo, em 1997, assunto que desenvolverei com maiores detalhes no próximo tópico.
[8] Op. Cit. 2001, p. 104.
[9] Op. Cit. referência 42.
[10] Idem.
Série “Pequena ecologia da imagem”
1988 fotografia em papel de brometo de prata
Dimensões 35 x 27 cm ou 120 x 80 cm
Alice não mora mais aqui (1987/88)
Série “Alice”
Fotografia em papel de brometo de prata
Dimensões 35 x 27 cm ou 120 x 80 cm
HERKENHOFF, Paulo. Rosângela Rennó. São Paulo: EDUSP, 1998.
Chiarelli, sobre a questão da identidade na obra de Rennó, conclui:
[1] Idem.
Afinidades eletivas
1988 2 fotografias película ortocromática, óleo mineral, mármore, alumínio e vidro
Dimensões 19 x 09cm
Neste objeto Rennó trabalha com fotografias de casamento descartadas e faz a fusão entre fotografias de casais diferentes, de modo a confundir as duas imagens. Fato interessante que nos leva a refletir sobre o papel do casamento na atualidade, onde homem e mulher repensam seus papéis diante da família e sociedade. Onde os relacionamentos conjugais manifestam-se de maneiras diversas e a possibilidade de recorrer ao divórcio marca uma nova etapa da emancipação, sobretudo, feminina.