A imagem fotográfica pode ser compreendida em sua profundidade, na medida em que reconhecemos os fins para os quais esta foi produzida, segundo KOSSOY:
A representação fotográfica reflete e documenta em seu conteúdo não apenas uma estética inerente a sua expressão mas também uma estética de vida ideologicamente preponderante num particular contexto social e geográfico num momento preciso da história.[1]
KOSSOY afirma que a fotografia, compõe junto ao texto a retórica da mensagem publicitária, que tem como principal objetivo levar o homem ao consumo e completa:
A indústria da imagem se viu completamente desenvolvida em função da sociedade de consumo; e a publicidade estabelecendo padrões de gosto e comportamento, tem papel preponderante na criação de todo um ideário estético.[2]
Tal retórica associada a linguagem textual nos remete ao texto de BARTHES, quando este ressalta a importância da correlação entre estes elementos persuasivos numa sociedade em que a escrita ainda é predominante e, constitui junto à imagem, a estrutura da informação.[3]
Cabe ainda ressaltar que nem mesmo as imagens fotojornalísticas cujo caráter informativo é o que se evidencia, fogem à regra do consumo e muitas vezes confundem-se com fins publicitários ou ilustrações dos textos.
Quando lemos um texto, inferimos sobre ele de diversas maneiras, criamos relações perceptivas que muitas vezes vão de encontro aos princípios da produção imagética. Relacionamos constantemente, as palavras e as coisas, para construirmos “paisagens” ou idéias.
Para FLUSSER existe uma importante relação entre texto e imagem para a qual devemos atentar a fim de, compreendermos um pouco mais a respeito da história do ocidente. Ele denomina de textolatria, uma espécie de fidelidade estéril[4] ao texto, tanto científico como ideológico, que levaria a uma crise do pensamento imaginativo. Uma vez que, dotados de uma espécie de hermetismo, tais textos se tornam “inimagináveis”, termo utilizado pelo autor. Assim, os conceitos, destituídos de imagens acabam por esvaziar-se. Tal esvaziamento por sua vez, implicaria numa crise do processo histórico que, perderia a função de recodificar imagens em conceitos e de desmistificá-las, comprometendo a compreensão dos textos.
Na medida em que textos não dão mais lugar à imaginação e sim a conceituações esvaziadas, estas lacunas começam a serem ocupadas pelas imagens técnicas, em especial, segundo o autor, pelas imagens fotográficas. Constituindo uma sociedade idólatra, que nas palavras do autor seria: “Incapacidade de decifrar os significados da idéia não obstante a capacidade de lê-la, portanto, adoração da imagem.”[5]
Tais considerações escritas, ainda na década de 1980, parecem preconizar o mundo contemporâneo em que vivemos, com a revolução da internet e das imagens em movimento, do simulacro da realidade pós-moderna através dos veículos de comunicação da “cultura de mídia”[6] e das imagens midiáticas, também em muitos casos, esvaziada de conteúdo imaginativo.
Tais fatores convergem também para uma massificação das relações sociais e dos indivíduos. Relações perigosas que põem em risco manifestações culturais e diversidades expressas pela identidade cultural e individual. Mediante este risco, misturam-se e contrapõem-se duas correntes, uma que diz respeito a estes movimentos ditos globalizantes, que tendem a homogeneizar um conjunto de relações sociais e um outro que defende a diversidade cultural e a individualidade.
Ressaltamos a importância de selecionar e perceber uma imagem como um todo e em suas partes, atendo-nos a ela por um determinado espaço de tempo refletindo, questionando e ressignificando-a. “Ler” o mundo e “ler” a si mesmo a partir de imagens não é o mesmo que ler o mundo a partir de uma vivência concreta dos fatos, ou seja, in loco, pois, imagens fotográficas são representações intencionais de uma realidade. FLUSSER[7] despertar-nos para a necessidade de estudo e produção de uma filosofia da imagem afirmando que: “As imagens técnicas atualmente onipresentes, ilustram a inversão da função imagética e remagicizam a vida.” E ainda: “Trata-se da alienação do homem em relação a seus próprios instrumentos.”
Em seguida, FLUSSER conceitua a idéia de aparelho, dentro do contexto industrial-tecnológico em que se situa a sociedade pós-moderna. Para ele, a máquina fotográfica como um aparelho, é dotada de possibilidades produtivas pré-estabelecidas: “As superfícies simbólicas que produz estão de alguma forma inscritas, previamente por aqueles que as produziram. As fotografias são realizações de algumas das potencialidades inscritas no aparelho.”[8]
Apesar disso, o autor não exclui a individualidade do fotógrafo, definido por ele como aquele que busca extrair o máximo das potencialidades do aparelho muitas vezes permanecendo preso às suas possibilidades técnicas pré-programadas.
Tais colocações fazem-nos pensar na relação da fotografia enquanto arte e como o artista consegue subverter esta ordem na medida em que supera as potencialidades do aparelho para além dele. Supõe-se que, quanto maior a capacidade do artista de problematizar estas questões relacionando a fotografia com o campo da arte, maiores serão as possibilidades de subverter a ordem para a qual os aparelhos foram programados.
Neste campo, por sua vez, nos permitimos admitir que, alguns artistas, superaram esta “submissão” tecnológica e desenvolveram linguagens próprias. Para lembrar apenas dois nomes, ressaltamos os trabalhos de Eustáquio Neves e Rosângela Rennó, na medida em que manipulam o material fotográfico apropriado, descobrem e inventam diversas possibilidades técnicas e conceituais de materialização de suas idéias traduzindo-as em objetos de conteúdos estéticos e conceituais de extrema complexidade. Extravasando o suporte, que tinha como fim a apresentação em papel fotográfico e reafirmando o papel do artista que torna-se coadjuvante na construção criativa da linguagem, não mais se confundindo com o objeto, como afirma o autor na seguinte passagem: “Em toda função dos aparelhos, funcionário e aparelho se confundem.”[9]
KOSSOY acredita num fazer descompromissado com a funcionalidade[10], quando, a seu ver, a fotografia sendo expressa por uma intenção artística não teria, segundo ele, uma funcionalidade além do compromisso estético para a produção da obra. A afirmativa nos parece ingênua e deixa evidente o olhar de um especialista em análise iconográfica, voltada para a ciência histórica. Tal fato não se processaria caso a análise tivesse sido efetuada por um crítico voltado para o campo da arte que poderia levar em conta em seu processo metodológico, conhecimentos não somente históricos ou semióticos mas, também, filosóficos, sociológicos, políticos, ideológicos e psicológicos que, porventura interferissem na maneira como a obra foi produzida e na forma como é apresentada e recebida pelo público.
Observamos que, na medida em que o artista encontra-se em uma realidade de mercado, que está pautada pela lógica capitalista na qual estamos inseridos e pelo competitivo circuito de exposições; o mesmo pode colocar-se em constante busca por um espaço de visibilidade no circuito da arte, se deixando permear por este processo e suas características que, de uma maneira ou de outra, estará implícito em seu fazer artístico e conjunto de obras, podendo modificá-las com o passar do tempo, ainda que não o afirme. Assim, este fazer, será dotado de intencionalidades que irão além do desenvolvimento de uma linguagem supostamente descompromissada e da preocupação de se produzir uma contribuição inovadora para o campo da arte, mas também, estará intimamente ligado ao seu reconhecimento neste meio e sua conseqüente consagração como artista. Neste caso, cabe ao crítico de arte inferir sobre a trajetória do artista para aprofundar a análise de sua obra, identificando em que medida esta modificou-se segundo o contexto em que se insere.
Alcançar o mercado é sobreviver a ele, transforma-se em uma maneira de continuar produzindo sem sair do circuito de arte. No que se refere à obra de Rosângela Rennó, não creio que poderíamos concebê-la, tal qual ela se nos apresenta em seu percurso artístico, se não tivesse conquistado um espaço de visibilidade com sua expressão e a partir dos espaços que conquistou em sua trajetória. A funcionalidade aí, estaria intimamente ligada ao alcance do público através da linguagem artística, a intencionalidade da artista na construção desta trajetória e à conquista do território no circuito, por meios diversos, que não nos cabe aqui citar.
Proveniente de uma realidade pós-industrial, a lógica pós-moderna, agrega ao consumo das imagens o apelo pelo consumo de tecnologias mais complexas, produtoras dessas imagens. Cria a ilusão de que a qualidade produtiva está intimamente ligada à capacidade e velocidade do aparelho, de processar tais imagens. Assim como, o circuito da arte[11] nos pode impelir a um consumo de imagens supostamente elevadas intelectualmente, por fazerem parte de um campo dominado pela cultura erudita que, determinaria a ascensão a um status quo relacionado com esta elite e por ela determinado. Tais fatos fazem parte de um conjunto de idéias que não representam uma verdade absoluta, mas que, ainda assim, contribuem para determinar a maneira como os indivíduos se relacionam, em nossa sociedade, com os aparelhos e com a própria arte. Cria relações ideológicas e ilusórias de poder somente transponíveis através da ascensão econômica e ou através do consumo e apropriação de materiais que assegurariam este status mesmo que aparente e dissimulado.
As seguintes afirmações de SONTAG contribuem para explicitar este tipo de consumo e apropriação:
O conhecimento adquirido por conhecimentos de fotos será sempre um tipo de sentimentalismo, seja ele cínico ou humanista. Há de ser um conhecimento barateado uma aparência de conhecimento, uma aparência de sabedoria; assim como o ato de tirar fotos é uma aparência de apropriação...[12]
Sobre o ato de fotografar, FLUSSER afirma ser uma maneira do fotógrafo transcodificar suas intenções sejam elas estéticas , políticas ou de qualquer outra ordem em conceitos: “Fotografias são imagens de conceitos, que por sua vez são transcodificados em cenas.”[13]
O mesmo autor define a intenção do fotógrafo como: “A intenção de eternizar seus conceitos em forma de imagens acessíveis a outros a fim de se eternizar nos outros.”[14]
Chama também atenção para uma análise da fotografia que considere a intenção do fotógrafo e seu embate com as possibilidades da câmera ou do aparelho. Para isso, ele considera os canais de veiculação de tais fotografias e enfatiza que uma crítica indicadora dos canais propagadores das idéias traduzidas em imagens, sejam elas de caráter político, agencial, galerístico ou outros, contribuiria para uma receptividade crítica por parte do espectador.
Um exemplo cotidiano está na maneira como geralmente, consumimos as imagens fotojornalísticas. Visualizamos imagens, estabelecemos relações e nos dirigimos aos textos referenciais através do filtro dessas imagens, na maior parte das vezes ilustrativas, como se as imagens nos preparassem a posteriori para a leitura textual.
A relação banal que estabelecemos hoje com as imagens fotográficas, nos leva a crer que podemos fazer com elas o que bem entendermos e muitas vezes nos apropriamos dessas imagens como se nos apropriássemos do fato que elas representam em uma realidade específica. Nos sentimos no direito de descartarmos ou as jogarmos fora sem a menor reflexão no que diz respeito à sua funcionalidade ou importância como elemento comunicativo.
Diariamente somos expostos a uma quantidade agressiva de imagens. Tal fato nos torna insensíveis e cegos a muitos destes estímulos, o que faz parte inclusive, de um mecanismo de defesa de nossa mente. Contudo, esse mecanismo, não nos torna “imunes” a essa poluição visual, pois as mensagens subliminares invadem nosso subconsciente definindo maneiras de ser e de agir que influenciam nos costumes sociais, que por sua vez influenciaram na estética fotográfica e darão continuidade ao ciclo vicioso que mudará progressivamente com o advento de outras modas, estéticas e tecnologias[15].
Segundo FLUSSER, uma filosofia da fotografia contribuiria para a contestação desse ciclo e de seus elementos constitutivos. Faz uma crítica contra a robotização da humanidade produzida com a contribuição massiva do universo fotográfico e cita inúmeros exemplos que vão desde expressões pessoais e coletivas até pensamentos e sentimentos das pessoas em nosso mundo, e enfatiza:
Estar no universo fotográfico implica viver, conhecer, valorar e agir em função de fotografias. (...) Vivenciar passa a ser recombinar constantemente experiências vividas através de fotografias. Conhecer passa a ser elaborar colagens fotográficas para se ter “visão de mundo”. Valorar passa a ser escolher determinadas fotografias como modelos de comportamento, recusando outras. Agir passa a ser comportar-se de acordo com a escolha. Tal forma de existência passa a ser quanticamente analisável.[16]
Assim, desvendar o jogo dos aparelhos é também considerar a intencionalidade do fotógrafo e das empresas financiadoras da produção fotográfica.
No último capítulo do ensaio ele define a fotografia como:
Imagem produzida e distribuída automaticamente no decorrer de um jogo programado, que se dá ao acaso que se torna necessidade, cuja informação simbólica, em sua superfície, programa o receptor para um comportamento mágico.[17]
E sugere que, tal afirmativa, sirva como ponto de partida e de contestação para uma filosofia da fotografia, que tenha caráter libertador, revolucionário da sociedade na medida em que desmistifica o universo fotográfico[18] e o diferencia da realidade.
KOSSOY expressa muitas idéias em concordância com os pensamentos de FLUSSER e SONTAG, apresentando-as segundo a ótica de um historiador, que utiliza a imagem fotográfica como fonte de análise para a busca de uma maior compreensão dos fatos históricos. Portanto, desenvolve e sistematiza uma metodologia que visa contribuir com outros pesquisadores no que tange a percepção da fotografia por uma ótica histórica, enquanto FLUSSER o faz de maneira filosófica e SONTAG opera uma crítica sociológica.
Cabe aqui ressaltar que, o enfoque deste historiador, parte sobretudo, da análise das imagens produzidas nos séculos XIX e XX e que, segundo ele, as variantes encontram-se bem delimitadas em determinados espaços e tempos específicos, que apresentarão semelhanças características de tais períodos históricos[19] e que pudemos aplicar às análises de nossa pesquisa.
Divide a análise fotográfica em dois aspectos definidos como iconográficos e iconológicos. A análise iconográfica, segundo ele, tem o intuito de detalhar sistematicamente os elementos icônicos da imagem; prevalecendo o aspecto literal e descritivo dela acrescido da contextualização do assunto registrado em um determinado espaço e tempo, bem como sua correta identificação.[20]
A análise iconológica fica a cargo da interpretação, cujo intuito é atingir o significado intrínseco da imagem produzida. Para tanto faz-se necessário compreender o momento histórico retratado a fim de refletir acerca dos elementos encontrados no conteúdo iconográfico.
O autor propõe para essa análise iconológica, uma análise metódica que buscaremos sintetizar a seguir, com o intuito de ampliarmos o conhecimento dos recursos que podemos lançar mão ao ler e interpretar a imagem fotográfica.
Apesar da incapacidade da fotografia de garantir a fidedignidade dos fatos representados, ela goza, ainda hoje, do status de confirmar a existência de determinados elementos e fatos. Ainda que o advento das fotomontagens e simulações da fotografia digital tenha comprovado a capacidade de simulação e falseamento da realidade e que, com o atual avanço tecnológico, essas possibilidades tornaram-se por um lado, explícitas e facilitadas tecnicamente, sabemos que os processos de manipulação da imagem, são produzidos, através da utilização de retoques e fotomontagens,[21] desde o século XIX.
A intencionalidade da obra também é relacionada pelo autor com a intencionalidade do artista, sendo que ambos devem ser levados em conta e investigados através da análise comparativa de outros trabalhos do mesmo autor e seus contemporâneos, bem como sua biografia, a fim de garantir a fidedignidade do conteúdo de uma fonte.
As atitudes do fotógrafo, do contratante (se houver), da instituição publicadora (se houver) e as reações dos receptores também são indícios que agregam valor à investigação acerca da intencionalidade e conteúdo da imagem. Isso independe de publicação contemporânea ao período em que a obra foi produzida ou posterior e independente da reação de espectadores contemporâneos à época em que a imagem foi produzida ou também posterior, ou seja, determinada obra, representada em sua publicação original terá um determinado valor agregado, contudo, a mesma obra, se publicada posteriormente, terá um outro valor de análise incluído, que aprofundará sua observação quanto à outros aspectos específicos, inclusive a maneira como o público reagiu a ela nas diferentes publicações.
Daí a importância de se refletir em todas as possibilidades manipulativas a que a imagem esteve sujeita. São igualmente importantes, as interpretações de todos esses sujeitos promotores[22] do conceito da imagem desde o momento em que ela é concebida como idéia, passando pelo momento em que foi materializada iconograficamente, até o momento de sua veiculação ou fruição pelo espectador.[23]
A seleção do fotógrafo constituiria-se numa primeira manipulação/interpretação[24] da realidade, seja ela premeditada ou ingênua. Considerando as sucessivas etapas de sua materialização no laboratório, da edição e da publicação, como possibilidades de interferências estéticas, técnicas e ideológicas de igual importância.
A fotografia em si é imbuída de valores que definirão a atitude, consciente ou inconsciente, dos sujeitos fotografados que se interpõem ao aparelho. Tornando até mesmo um olhar, elemento revelador de uma síntese sociológica. O autor define um destes poderosos fatores como uma capacidade da fotografia, de idealizar uma possível consagração ou perpetuação do fotografado frente a um futuro histórico, do qual não fará parte, a não ser pela perpetuação de sua imagem fotográfica que representará sua memória aos seus predecessores. E que revelam posturas e poses que podem ser encontradas em álbuns de família, desde o século XIX e que são capazes de caracterizar todo um complexo de relações sociológicas inerentes aos períodos históricos em que foram produzidas. Neste ponto, KOSSOY, cita as influências dos estudos de Gisele Freund e Susan Sontag em suas reflexões e defende o estudo da sociologia como auxiliar no estudo da percepção da imagem fotográfica.[25]
SONTAG delimita as fronteiras entre o conhecimento fotográfico e o conhecimento de mundo e realidade, explicitando a incapacidade da imagem fotográfica de dar conta da realidade como um todo, ou seja, de dar conta da realidade como fato traduzido em imagem, uma vez que, segundo ela a fotografia “jamais conseguirá ser um conhecimento ético ou político”[26] e afirma:
A fotografia dá a entender que conhecemos um mundo se o aceitamos tal como a câmera o registra. Nunca se compreende nada a partir de uma foto... A compreensão se baseia no funcionamento. E o funcionamento se dá no tempo e deve ser explicado no tempo. Só o que narra pode levar-nos a compreender. [27]
Defende suas idéias, através de uma crítica à fotografia como um objeto de consumo eficaz do capitalismo:
A necessidade de confirmar a realidade e de realçar a experiência por meio de fotos é um consumismo estético em que todos hoje estão viciados. As sociedades industriais transformam seus cidadãos em dependentes de imagens, é a mais irresistível forma de poluição mental.[28]
Acusa ainda que, tal fato, costuma favorecer o falseamento de realidades que só podem ser compreendidas realmente, pelos entes que sofrem as ações diretas de tais meios representados, ou seja, entes que vivenciam as realidades representadas fotograficamente em seu cotidiano e que, mesmo tais sujeitos, não teriam o poder de abarcar toda uma realidade, apenas por meio da fotografia, uma vez que a realidade é muito mais complexa que a sua própria representação. Uma seqüência narrativa de imagens fotográficas poderia nos trazer uma idéia de apreensão e compreensão de uma dada realidade que, segundo a autora constitui-se em uma ilusão de apropriação dos fatos. Mas na verdade não passa de uma apropriação de imagens ou idéias, instituídas em tais imagens. Assim, esta ilusão pode ser produzida por uma seqüência de fotos que muitas vezes são confundidas como uma seqüência de fatos. O mesmo pode ocorrer com a visualização ou, segundo a autora, apropriação de uma única imagem fotográfica e aí a questão fica ainda mais complexa, uma vez que, uma única imagem não pode resumir todo um conjunto complexo de acontecimentos reais.[29]
Assim, a onipresença das fotos produziria um efeito incalculável na sensibilidade ética de nossa sociedade. Modificando as formas de ser e estar no mundo e inclusive as relações entre os indivíduos. Reforçando a crítica a um sistema político globalizado que estimula a criação de uma realidade falseada: “Ao munir este mundo já abarrotado, de uma duplicata do mundo feita de imagens, a fotografia nos faz sentir que o mundo é mais acessível do que é na realidade.”[30]
Levando em conta as idéias até então apresentadas, iniciaremos no tópico à seguir, uma análise de obras, que evidenciará a apreensão de conceitos fundamentais para especulações à cerca das imagens fotográficas e que podem servir como ponto de partida para estudos posteriores.
A execução de entrevistas é uma outra alternativa que agrega informações valiosas à pesquisa. No caso deste trabalho, utilizamos como referência, os depoimentos de Rosângela Rennó encontrados em livros, onde pudemos refletir sobre alguns aspectos de seu processo criativo.
Contudo, é preciso levar em conta que, quando elegemos um objeto de análise precisamos escolher a abordagem crítica e investigativa de acordo com os objetivos que desejamos atingir. No presente trabalho, procuramos ilustrar através da obra de Rosângela Rennó algumas possibilidades de leitura, sabendo que esta poderia ser aprofundada mediante a seleção de outros objetivos segundo determinados aspectos eleitos como relevantes neste processo.
Cabe aqui ressaltar, que a abordagem do livro apresenta ao público, estudantes de arte, apreciadores ou pesquisadores uma introdução ao trabalho da artista, segundo objetivos previamente traçados pela editora, organizadores e tipo de publicação a que se refere o que introduz nesses textos características específicas.
[1] Idem, 2001, p. 133.
[2] Op. Cit. 2001, p. 137.
[3] Cf. BARTHES, Roland. Rethoric of image. Apud. INNIS. Robert E. (org.) Semiotics. An Introductory Anthology. Bloomington: Midland Book, Indiana University Press, 1985.
[4] Cf. FLUSSER, Vilém. A filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002; 1ª ed. 1983, p.10.
[5] Op. Cit., p. 78
[6] Tal expressão “tem a vantagem de designar tanto a natureza quanto a forma das produções da indústria cultural (ou seja, a cultura) e seu modo de produção e distribuição (ou seja, tecnologias e indústrias da mídia). Com isso evitam-se termos ideológicos como “cultura de massa” e “cultura popular” e se chama atenção para o circuito de produção, distribuição e recepção por meio do qual a cultura da mídia é produzida, distribuída e consumida.” E significa dizer que “vivemos em mundo no qual a mídia domina o lazer e a cultura. Ela é portanto a forma dominante e o lugar da cultura nas sociedades contemporâneas.” Para entender melhor a utilização da expressão “cultura da mídia” (ver KELLNER, 2001, p.52).
[7] Cf. FLUSSER, Vilém. A filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002; 1ª ed. 1983, p.10.
[8] Op. Cit., p.23;
[9] Op.Cit, p. 24;
[10] Ver nota número 5 do presente texto.
[11] Entende-se aqui por circuito da arte os espaços galerísticos e museológicos que definem o público expositor por critérios próprios inerentes a um conjunto de idéias no que se refere à arte contemporânea e suas especificidades.
[12] SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 195;
[13] Op. Cit., p. 32;
[14] Op. Cit., p. 41;
[15] Op. Cit. 1983, p.62.
[16] Op. Cit., p. 66;
[17] Op. Cit., p. 71;
[18] Idem, p. 76
[19] Ibid. p. 105
[20] Op. Cit., 2001, p. 95.
[21] Op. Cit. 2001, p. 104.
[22] Denomino como sujeitos promotores, as instâncias que agregam intencionalidade à imagem e citadas no parágrafo anterior, a partir das idéias formuladas por KOSSOY.
[23] Ibid. p. 106
[24] KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
[25] Ibid. p. 110
[26] Ibid. p. 195
[27] SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 195.
[28] Op. Cit., p. 168.
[29] Coloco aqui como real a imagem capturada pela câmera num dado espaço e momento, tendo em vista que a fotografia é um simulacro.
[30] Op. Cit., p. 195.
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