Da percepção da imagem fotográfica tratam muitos autores. Este estudo respalda-se em teóricos como Susan Sontag, Roland Barthes, Vilém Flusser, Tadeu Chiarelli, Boris Kossoy com os quais se estabelece um diálogo e procura-se ampliar a compreensão das imagens fotográficas.
Ao analisar uma imagem, percebe-se a complexidade de elementos que se encontram inseridos na mesma, de maneira objetiva ou subjetiva, implícita ou explícita, e procura-se recorrer às palavras para descrever o que é percebido. Observa-se entretanto que, as palavras por si só, não dão conta do objeto fotográfico como um todo, daí, a necessidade do uso da imagem para ilustrar o objeto de análise.
O processo inverso também decorre, tornando complexa a criação ou produção de uma determinada imagem a partir de um conjunto de palavras que procuram descrever um dado objeto.
Contudo, estes elementos coexistem e relacionam-se criando outras estruturas semânticas. Ao perceber a existência desta complexa relação entre os elementos de uma imagem fotográfica, começamos a nos indagar acerca da existência de imagens ideais, que representem determinadas situações. Indaga-se sobre o ato criador dessas imagens e o que se poderia fazer para produzir imagens que detenham um ou outro valor estético adotado ou desenvolvido e que, ao mesmo tempo, despertem o interesse do espectador. Reflete-se sobre a necessidade de se despertar o interesse do espectador, de produzir e consumir imagens, da intencionalidade envolvida em sua produção e difusão e onde tudo isso começa. Esta pesquisa surgiu dessas expectativas em busca de solucionar questões que surgem, quando nos deparamos com determinadas imagens fotográficas ou quando nos vemos imersos em um mundo dominado e fortemente influenciado pelas imagens.
No presente trabalho, propomos a leitura da imagem fotográfica a partir do desenvolvimento de um olhar analítico e crítico acerca dos elementos visuais percebidos. Analítico no sentido de identificar os critérios estabelecidos para a produção da imagem, tal como composição, luz e sombra, cores, formato, assunto, contexto em que a imagem está sendo veiculada, sua materialidade, conceitos e etc. E crítico, na medida em que, questionamos a relevância do assunto como critério de comunicação visual, ou de linguagem. As dimensões e localização na mídia em que é veiculada, no espaço editorial ou de galeria, a leitura simbólica dos elementos constituintes da imagem, sua funcionalidade dentre muitos outros aspectos. Importante lançar mão de uma leitura criativa, a fim de, incorporar elementos do imaginário[1], interpretando e associando a imagem representada com a imaginária, a fim de ampliar as possibilidades de leitura da imagem em foco.
Possibilitar uma leitura que parta de interesses pessoais e crie uma relação de curiosidade ou afetividade com determinadas imagens a fim de, efetuar uma leitura seletiva e qualitativa para um conhecimento mais amplo do mundo e de si mesmo. Estabelecendo uma relação com as imagens que nos intercedem diariamente e com aquelas que dizem respeito ao campo das artes plásticas, destituindo nosso olhar da superficialidade com que costumamos nos remeter às imagens em nosso cotidiano, rompendo com um olhar apressado e ingênuo para a construção de um olhar mais circunspecto.
Levou-se em conta ainda, a diversidade de padrões estéticos e o discernimento de valores, no campo das artes visuais e da cultura midiática como um todo. Analisaremos, criticamente, não só a materialidade de uma imagem e os princípios estéticos que a compõem mas, também, os princípios filosóficos, semiológicos, iconográficos e iconológicos[2] na busca pela essência da linguagem e intencionalidade do artista, mídia ou fotógrafo e de sua produção poética ou técnica, no caso de se tratar de uma imagem que não tenha a linguagem artística como um fim único.
A percepção da imagem fotográfica está intimamente ligada à veiculação das imagens desde sua gênese num contexto moderno da cultura midiática, até os dias atuais. Tal fato que se reflete inclusive, na produção dos artistas contemporâneos que lidam com essa modalidade. Contudo, na presente pesquisa não faremos análises de produções publicitárias ou fotojornalísticas, mas, apontaremos alguns de seus reflexos nas artes plásticas, quando levamos em conta as influências que a cultura das mídias exerce no contexto social e que procuraremos explicitar numa análise crítica da obra de Rosângela Rennó.
Nesta proposta discorremos sobre algumas fontes teóricas que analisam e refletem a questão da fotografia no campo das artes visuais e que tratam das relações de mistificação e desmistificação da imagem na arte contemporânea, utilizando a título de análise, a leitura de duas séries de trabalhos produzidos por Rosângela Rennó, contextualizando-as no espaço e tempo. Não temos o intuito de traçar um cronograma pormenorizado, do trabalho da artista, entendendo que, para isso, existem outras fontes que o fizeram. Incluímos, no decorrer do texto e em especial, no capítulo que trata da questão da identidade na fotografia contemporânea, junto à análise do trabalho de Rennó, questionamentos acerca da construção e desconstrução dessas identidades[3], como pretexto para aprofundamento de questões que foram colocadas em pauta para reflexão.
Acerca da percepção no campo das artes plásticas, KOSSOY afirma que este é um ponto ainda pouco explorado pela crítica e pela história e faz menção a uma suposta falta de finalidade utilitária na fotografia como expressão artística[4] fato que contestaremos no próximo tópico.
O trabalho foi estruturado em quatro capítulos. No segundo capítulo propõe-se algumas possibilidades de leitura da imagem fotográfica como objeto de percepção do mundo que nos cerca. Abrangendo também o campo da apreciação da arte, reconhecimento de obras, identificação de ambiguidades e da fotografia como objeto ou linguagem artística. No terceiro, faz-se um recorte a partir de registros fotográficos de dois trabalhos, de Rosângela Rennó. Um deles denominado “Puzzle”, uma instalação que remete a um jogo de quebra-cabeças com fotografias de pessoas anônimas e do qual trataremos detalhadamente, juntamente com um segundo trabalho da mesma artista denominado: “O grande jogo da memória”, que remete a um jogo infantil com imagens em duplicata.
Na impossibilidade de acesso a tais obras, as análises pautam-se no material fotográfico reproduzido nos livros listados na bibliografia ao final do trabalho.
A fim de auxiliar na pesquisa de arte-educadores interessados por um aprofundamento no tema que introduzimos neste trabalho, propõe-se no capítulo quatro, um estudo com base em teóricos da educação, que tratam da leitura semiótica, tais como Ana Amélia Buoro e Ana Mae Barbosa e de teóricos e críticos que tratam da leitura fotográfica por uma ótica filosófica e sociológica. Abarcando conteúdos estéticos inerentes não só ao material fotográfico, mas à obra de arte como um todo.
Para ampliar o suporte metodológico de leitura das imagens analisadas, dentro do contexto historiográfico das obras, recorremos, ainda, as reflexões de KOSSOY[5], por este trazer um olhar mais sistematizado, característico de uma metodologia para a leitura da fotografia como documento histórico.
O objetivo desta pesquisa é contribuir, de maneira introdutória, para uma análise das imagens fotográficas e do papel que elas ocupam, hoje, em nosso cotidiano, bem como, da importância de voltarmos à elas um olhar mais crítico, no intuito de ampliar nossa percepção e atuação consciente para a promoção de transformações significativas em nossa sociedade e modos de vida, ou seja, passarmos da condição de consumidores passivos a cidadãos ativos.
[1] Entendemos como elementos imaginários aqueles que se encontram em nossa mente como um conjunto de experiências imagéticas acumuladas, experiências de coisas que vimos e vivemos em nossa história de vida e dos valores agregados de nossa cultura.
[2] KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001, p.95
[3] CHIARELLI, Tadeu. Identidade Não Identidade: Fotografia Contemporânea Brasileira. Junho de 1997, site: http://www.fotoplus.com/fpb/fpb002/b002c.htm.
[4] Cf. Idem, p. 137.
[5] KOSSOY, Boris. Fotografia & História. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
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